01 | Editorial

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[verão 2012 / 2013]

 
A forma da obra contemporânea vai além de sua forma material: ela é um elemento de ligação, um princípio de aglutinação dinâmica. Uma obra de arte é um ponto sobre uma linha.

                                     Nicolas Bourriaud

 

Carbono: um elemento químico de estrutura peculiar, com características fundamentais para o surgimento da vida. O Carbono, tão abundante na Terra, é produzido em circunstâncias raras: três núcleos de hélio têm de se unir numa colisão para se transformar em um átomo de carbono. Isto só acontece quando altíssimas temperaturas perduram no tempo, como no interior de estrelas muito massivas, as gigantes vermelhas. [1]

Sob os lençóis da água primitiva, o carbono se dissolveu, e foi sob essa camada protetora, livre das radiações nocivas, que a matéria pôde experimentar intensas reações químicas. A configuração atômica particular do carbono, com quatro elétrons livres para produzir ligações, tornou-o capaz de formar longas cadeias. Flexível, ele é o átomo ideal para a construção molecular, criando ligações que podem se fazer e desfazer facilmente, tornando possível o metabolismo dos seres vivos.

Bilhões de anos de encontros e desencontros químicos e longas cadeias de carbono puderam se formar, reagindo com diversos átomos. Moléculas cada vez mais longas e complexas passaram a habitar o lençol d’água. Que formas e anti-formas esta matéria pré-histórica pode ter tomado sob a manta aquosa de nosso planeta?

É a gênese de um devir que se dá sempre a partir da relação: as reações físico-químicas seguem em seu borbulhar incessante desde o início dos tempos e são fundadoras do desassossego e da potência criativa da vida. A molécula pré-histórica é um microscópico “corpo vibrátil”[2], em pura relação com o ambiente externo. Este pequenino corpo passa a respirar, e a respiração celular é a forma mais primitiva da pulsação vital. É nessa água viscosa que se dará o princípio da fecundidade.

E diante do embate com a contingência, a vida pode se abrir à reconfigurações existenciais, mutações que irão transformar o espaço externo e criar novas possibilidades de mundo. Redesenhar contornos, incessantemente.

 

Não são mais as situações estáveis e as permanências que nos interessam antes de tudo, mas as evoluções, as crises e as instabilidades. Já não queremos estudar apenas o que permanece, mas também o que se transforma, as perturbações geológicas e climáticas, a evolução das espécies, a gênese e as mutações das normas que interferem os comportamentos sociais.

Ilya Prigogine e Isabelle Stengers

 

De pesquisa teórica e artística, Carbono transformou-se em revista.

Sim, é natural que seus eletrotentáculos estejam sempre buscando novas e longínquas relações, acabando por formar um corpo mutante composto por mentes diversas. A revista Carbono propõe uma plataforma de diálogo para pesquisas artísticas e científicas. Trata-se de uma proposta contemporânea: investigar os atravessamentos.

Como um fio preso a uma agulha, a revista Carbono se constrói nesse tecer invisível. Uma cadeia de ligações extensas, mas também maleáveis, passíveis de transformação. E sempre haverá o elemento solto a se conectar magneticamente a pontos inesperados.

Essa abertura ao que falta, essa consciência da ausência, é o que nos faz seguir buscando. A revista é assim, um corpo em pulsão, atravessado por linhas de pensamentos.

 

Mas o que mobiliza o pensamento? Fazer uma revista é rodear-se de perguntas.

Em tempos de fim de mundo, viemos pensar o início. O início como ponto de partida para refletir sobre a experiência da duração, do limite, da continuidade e da descontinuidade.

Dois temas cruciais mobilizaram esta edição fundadora: tempo e matéria.

O que há de mais valioso para os seres finitos? O que poderá ser infinito? O fim e o início serão indissociáveis? Quais limites pode encontrar o pensamento e a criação?

Três sessões se entrecruzam na revista: LUPA traz entrevistas, visitas a ateliers e laboratórios; DOSSIÊ, um compilado de artigos de pesquisadores (teóricos e/ou práticos) da arte, da ciência e da filosofia; ENTRECORTE é um espaço para exposição de obras, ensaios visuais, textuais e imagens artísticas e científicas. A revista será trimestral com lançamento marcado nos dias dos solstícios e equinócios. Cada edição estará assim associada a uma das estações do ano.

É curioso perceber como, ao escolhermos o tempo como assunto através do mote ‘início do mundo’, muitos não se furtaram em tematizar o espaço e suas geometrias. O espaço-tempo parece já fazer parte de uma sensibilidade contemporânea.

Esta experiência espaço-temporal permeia os artigos do matemático Ricardo Kubrusly, do cosmólogo Luiz Alberto Oliveira, do músico Rodolfo Caesar, da historiadora da arte Julia Buenaventura e a entrevista realizada com o artista Tunga. São perspectivas diversas que, como partículas aceleradas, podem entrar em colisão.

Os experimentos dos artistas Thiago Rocha Pitta e Henrique Oliveira desafiam nossas noções de escala; fazem pensar em outras possibilidades de mundo. A artista Mayana Redin propõe um encontro íntimo com o infinito, e faz ressoar as indagações acerca do mistério do interminável, escritas pelo filósofo Blaise Pascal.

O cineasta alemão Werner Herzog nos provoca a questionar sobre o absoluto, o sublime e a verdade. O geógrafo André Reyes Novaes nos incita a repensar os limites cognitivos das fronteiras e dos territórios “incógnitos”. O artista Michel Zózimo nos revela uma estranha união em torno de uma matéria bruta.

É assim, pisando em terras incógnitas, que esta primeira edição se faz: na aventura de apostar no diálogo entre diferentes sistemas de pensamento. Os textos e trabalhos publicados contemplam diversos campos como a cosmologia, a matemática, as artes visuais, a geografia, a música e o cinema.

Como certa vez lembrou o cineasta Rogério Sganzerla, “Tudo é uma coisa só e isso é tudo”.

Boa leitura!

 

Marina Fraga
Editora
*colaborou Pedro Urano

 

 

[1] “O encontro e a fusão de três núcleos de hélio é um fenômeno extremamente raro. Leva-se um longo tempo para que possa ocorrer. No Big Bang original, a fase de atividade nuclear durou apenas poucos minutos, o que é muito curto para se produzir uma quantidade relevante de carbono. Agora, nas estrelas mais massivas, as aglomerações irão acontecer durante milhões de anos. […] Pelos próximos milhões de anos, os centros das estrelas maiores estarão lotadas de núcleos pesados, incluindo carbono e oxigênio. Esses elementos terão um papel fundamental na fase seguinte de nossa história. O carbono em particular, com sua configuração atômica especial, se presta facilmente à produção de longas cadeias moleculares, que terão um papel crucial no aparecimento da vida. O oxigênio se tornará um componente da água, outro elemento indispensável à vida”, tradução nossa. REEVES, Hubert. Scene 3 – Earth in “Origins”. Arcade Publishing, New York, 1998. 54 e 55 p.

[2] ROLNIK, Suely. Geopolítica da Cafetinagem. São Paulo, 2006. Disponível em: http://www4.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Geopolitica.pdf Acesso em: 15 de jul. de 2010. 3 p.

 

 

 

 

 

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Revista Carbono #01 >> Início do Mundo
[verão 2012/2013]

EXPEDIENTE:

Editora-chefe
Marina Fraga

Editor-assistente
Pedro Urano

Conselho Editorial
Marina Fraga
Pedro Urano

Colaboradores da edição #01 [Início do Mundo]
André Reyes Novaes
Blaise Pascal
Henrique Oliveira
Julia Buenaventura
Luiz Alberto Oliveira
Mayana Redin
Michel Zózimo
Ricardo Kubrusly
Rodolfo Caesar
Thiago Rocha Pitta
Tunga
Werner Herzog

Encontram-se também imagens e referências a trabalhos de
Lucia Koch
Maria Elvira Escallón
Pierre Schaeffer
(entre outros)

O conteúdo dos artigos é de exclusiva responsabilidade dos autores.
Todos os direitos reservados aos autores.

Traduções
Lucas Peterson
Louise Botkay

Design, Projeto Gráfico e Identidade Visual
Amapola Rios /Liquezen

Programação Web
Agência Rastro

Agradecimentos especiais a
Ana Paula Santos
Lilian Zaremba
Pedro Urano
Ricardo Kubrusly
Ricardo Basbaum
Maria Luiza Fatorelli
Fellipe Barbosa
Mayra Redin
Mayana Redin
Luiza Leite
Tatiana Podlubny
João Queiroz
Otavio Schipper
Sergio Krakowski
Gab Marcondes
Werner Herzog Film
Família Ferreira Fraga
Família Urano
Lis Urano
Funarte
Ministério da Cultura
e a todos os autores.

Rio de Janeiro, dezembro 2012.

Este projeto foi contemplado pelo Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais – Periódicos e Revistas sobre Artes Visuais / 2012.