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Entreter o Infinito

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Entreter o infinito
Tratar o infinito como objecto,
atirá-lo ao chão, partir-lhe a face, curar-lhe as feridas, chamar pelo pai e pela mãe;
dar-lhe pão à boca no dia das doenças, contar-lhes os ossos e, por fim, desprezá-lo.
Entreter o infinito.
Tratar o infinito como objecto.

Gonçalo M. Tavares. Livro da Dança.

A limitação desse encontro existe na data da invenção do jornal, que podemos supor não passar de 600 anos desde sua primeira publicação em papel, e mesmo indo mais longe se considerarmos os primórdios. Mas estrelas, essas proliferam mais que notícias de jornal, existem desde quando não sabíamos contá-las. Existem antes de existir a palavra existir. Existem na distância de bilhões de anos-luz. Acontecimentos existem antes mesmo de existir jornal e não dependem dele, só se virarem notícia. Uma estrela conta sobre o universo, uma notícia de jornal conta sobre o universo de um dia. Uma estrela morre e ainda a veremos por muitos anos, as notícias acontecem depois do fatos. Quem morre na notícia é vítima, se uma estrela explode, aparece no jornal. Uma notícia no jornal morre rápido se quem morre não é importante. Se é, fica guardada por anos. As estrelas, fotografamos; as notícias, imprimimos. Contamos estrelas com os dedos, a notícia contamos para os vizinhos. Contamos as notícias quando são importantes, quando são insignificantes esquecemos. Há estrelas que não vemos que são maiores que outras que vemos; de uma estrela só, quase nunca sabemos o nome, pois não vemos o seu rosto; mas quando as vemos próximas umas da outras, formam constelações. Essas ganham nome e desenho, e doze delas entram na sessão horóscopo do jornal, mudando a sorte de alguém. Também damos nome para um Oceano, mas não damos para uma poça d’água. Mar, antes de ser Oceano, era grande água desconhecida. Estrela ainda é lume que vaga, mas já estão catalogadas, as mais próximas. O jornal diário é uma constelação de acontecimentos. A luz da estrela mais próxima leva oito minutos para chegar na terra, é o sol. Quando explodir, não vai estar no jornal. Um acontecimento só aparece no jornal no dia seguinte. Sonhou que caía num abismo, um senhor desempregado que dormia na praça quando a enchente o carregou. Sua foto permanece estampada no Jornal A Nota, do Rio de Janeiro, de 1935, que encontramos em antiquários por 5 reais. Se uma estrela com essa idade estivesse à venda, não seria tão fácil comprar. Em 1935, um homem sonhava que caía no abismo, e nesse mesmo ano partia a luz de Ankaa. A notícia e a estrela: 77 anos as separam do agora. Mas notícias envelhecem mais rápido que estrelas: em 2013, cada qual segue seu rumo.

 

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Mayana Redin é artista plástica. Formou-se pelo Instituto de Artes na UFRGS, em Porto Alegre e cursa o mestrado em Linguagens Visuais no PPGAV da EBA/UFRJ, no Rio de Janeiro, onde mora e trabalha. Atualmente interessa-se por cosmologias, intervalos e infinito em ficções de artistas. http://mayanaredin.blogspot.com.br/

 

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