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1 grama de observação > 1 tonelada de teoria

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Fotografia: Filipe Berndt

Fotografia: Filipe Berndt

1 grama de observação > 1 tonelada de teoria

Felippe Moraes

 

Dois dias atrás encontrei em uma banca de jornal uma revista com as seguintes questões em letras grandiosas em sua capa: “Uma crise na física? Se Supersimetria não se consolidar, cientistas devem buscar outra explicação para o Universo?” (LYKKEN e SPIROPULU, 2014). A intrigante manchete figurava na capa da revista Scientific American Brasil e me deixou intrigado por algum tempo. No dia seguinte, ainda com aquelas perguntas em mente, voltei à banca e comprei o volume. A leitura da matéria me fascinou. Não digo nem que se tratasse de um fascínio apenas pelo assunto sobre o qual discorria que, em verdade, para minha leitura não iniciada configurava-se como elaborada junção de pensamentos que não se conectavam no sentido de produzir os devidos significados, mas principalmente pela noção de falência e da construção que se sugere a partir de uma ideia de crise.

É muito curioso, e diria inclusive corajoso, uma publicação científica fazer uma espécie de mea-culpa e assumir uma noção clara de possível não cumprimento de determinadas aspirações colocadas em algumas de suas teorias. Tratava-se nesse caso de uma elucubração sobre o modelo teórico da física contemporânea chamado de Supersimetria. Este postulado afirma que para toda partícula conhecida, há uma outra supercompanheira oculta. Esse modelo é adotado na mecânica quântica há pouco mais de 40 anos e serve como base para a criação de diversas teorias sobre partículas e suas relações.

Apesar de meu profundo interesse no que diz respeito à física contemporânea, suas especificidades herméticas fogem ao meu alcance como leitor não iniciado. Entretanto, é justamente essa não-compreensão o que sempre motivou a minha obra. A experiência do Universo que nos cerca é ilimitada e essencialmente complexa, entretanto a vivenciamos por meio da linguagem e suas respectivas limitações.

Desde o princípio da minha produção organizada em arte contemporânea, que dataria de meados de 2009, sempre lidei com assuntos que minha consciência não alcançava. Na primeira exposição coletiva que realizei, o curador, como exercício mental para a elaboração do texto curatorial, questionou cada um dos artistas: “O que te move?”. Minha resposta simples e direta foi: “Aquilo que me ultrapassa”. Olhando para esse princípio, compreendendo o certo engatinhar desajeitado da construção poética que começava a empreender. Entretanto, ainda hoje, vejo essa afirmação tornar-se cada vez mais presente no meu pensamento e em minha prática artística, que sempre compreendi como um elaborado rizoma em que o artista o é, até o momento em que torna-se um teórico e, concomitantemente, um físico, passando em outros momentos a ser um alquimista ou um matemático, sem nunca ter deixado de ser artista.

Desta maneira, lidando com o intangível, minha obra se estabeleceu sobre a necessidade de elucubrar sobre aquilo que as nossas articulações mentais todavia não alcançam, sem pudor ou limitação no que diz respeito à deliberada passagem de uma disciplina para a outra sem grandes protocolos. Esses inúmeros encontros de influências heterodoxas e muitas vezes aparentemente opostas consolidou-se em meu trabalho. Passei então assim a me utilizar da física, da matemática, da alquimia, da química, do ocultismo, como diferentes, porém ainda assim coerentes e construtivas elaborações sobre tudo aquilo que nos ultrapassa. Da mesma forma que elaborei aos meus 21 anos em meu debut como artista.

O primeiro trabalho que viria a apresentar mais claramente essa presença da matemática seria “Fator Racionalizante”, em que alfinetava diversos recortes de um livro didático de matemática diretamente sobre a terra em um desenho racional e metódico, onde a relação entre as partes era absolutamente incongruente. Essa primeira experiência tornou-se propositora de muitas das questões que ainda hoje empreendo em minha obra, principalmente no que diz respeito à limitação das nossas linguagens todas no sentido de construir significados e compreensões à cerca do mundo dos fenômenos em que estamos inseridos.

Fator Racionalizante, 2009 - alfinetes, terra e recortes de livro de matemática, dimensões variáveis.

Fator Racionalizante, 2009 – alfinetes, terra e recortes de livro de matemática, dimensões variáveis.

Obras como essa, que se tornaram cada vez mais recorrentes até tomarem minha produção por inteiro, desencadearam reações curiosas em alguns observadores que frequentemente me perguntavam intrigados sobre como era minha relação com a matemática quando criança e se compreendia e articulava com eficácia o pensamento da disciplina. E em verdade nunca a compreendi, muito pelo contrário. A matemática nos tempos colegiais era para mim uma tortura e uma dor-de-cabeça, pois por mais que lutasse para entender aqueles conceitos tão abstratos e inatingíveis, não conseguia chegar a muitas conclusões, nem sequer a meras compreensões sobre o que aquilo tudo estava tratando. Me parece que foi justamente esse o grande interesse: o não-compreender, ou até a falência na minha compreensão da referida linguagem.

Uma leitura recente, que muito me tocou, foi “O Tao da Física” de Fritjof Capra. Na obra, o autor elabora inúmeros pensamentos e conexões entre a física e as filosofias espiritualistas orientais como o Taoismo, o Budismo e o Hinduísmo. Tratava, mais do que da disciplina em si, da complexa rede de acontecimentos que se dão em elaborados experimentos, como os aceleradores de partículas e o Grande Colisor de Hadrons, e a consequente incapacidade dos pensadores para articularem o vocabulário existente do nosso mundo newtoniano para uma realidade completamente outra e que se comporta, muitas vezes, de maneira a ultrapassar a compreensão de qualquer observador, como partículas chamadas “virtuais”, que existem por alguns instantes e depois deixam de existir da mesma forma que surgiram.

A complexidade desses acontecimentos ultrapassa os limites da possível utilização de nossa linguagem para descrevê-los, e assim, muito se perde na comunicação entre os pares e para com a sociedade. E então Capra compara essa situação à enumerada muitas vezes em diversas dessas filosofias do oriente:

“A ilusão se estabelece meramente em nossos pontos de vista, se pensarmos que as formas e estruturas, coisas e eventos, que nos cercam são realidades da natureza, ao invés de realizar que são conceitos de nossas mentes mensuradoras e categorizadoras”
(CAPRA, 1975, tradução nossa)

Essa constante situação de incapacidade de conectar o mundo dos fenômenos à linguagem sempre esteve muito presente em minha obra, em especial em trabalhos como π (2010). Nessa instalação passei quatro dias escrevedo diretamente sobre uma parede de 3 x 7m até preenchê-la por completo com as primeiras 2800 casas decimais da constante matemática que entitula a obra. Sempre tive uma percepção de certa arbitrariedade na utilização do termo “infinito”. Acreditava ser impossível para nós compreendermos tal conceito sendo seres finitos em absoluto, até onde alcança nossa apreensão de nós mesmos. Como então seríamos capazes de vislumbrar a grandiosidade daquilo que é “infinito”? Esse foi então o mote deste trabalho de 2010: como eu conseguiria compreender esse conceito sem experienciar o que é, ao menos, uma fração ínfima do infinito, mesmo que ainda essa pareça monumental para nossos padrões.

π, 2010  - caneta dourada sobre dry-wall,  350 x 750 m,  Fotografia: Carla Chaim.

π, 2010 – caneta dourada sobre dry-wall, 350 x 750 m, Fotografia: Carla Chaim.

π, 2010  - caneta dourada sobre dry-wall,  350 x 750 m,  Fotografia: Carla Chaim.

π, 2010 – caneta dourada sobre dry-wall, 350 x 750 m, Fotografia: Carla Chaim.

O resultado final do trabalho é uma monolítica parede repleta de números dourados. Nela, o observador atento percebia alguns equívocos na transcrição dos números para o mural, falhas na grafia dos números, a caneta que falhava, etc. Tudo isso está presente no trabalho e é essencial para ele, pois não trata-se de uma obra sobre o π em si, e sim da pequenez humana diante da sua infinitude, sobre a qual só a experiência pode tornar palpável. Dessa forma, utilizei-me da linguagem enunciadora da constante matemática para tentar apreender aquilo que a linguagem em si não dá conta de tangibilizar. Diz-se, a esse respeito, que mestres orientais, quando referindo-se a seus discípulos, lhes diziam que seria possível ensinar a alguém o caminho para a iluminação, mas que seria impossível para qualquer um descrever o que é a iluminação.

Da mesma maneira, CAPRA (1975, tradução nossa) diria que “O reconhecimento central da teoria da relatividade é que a geometria… é uma construção do intelecto.” Justamente a disciplina que foi criada para tornar tangível alguma compreensão do Universo por meio da linguagem, qualquer que fosse ela. Essa tentativa, entretanto, é invariavelmente frustrada. E nesses termos, aparece a série de trabalhos entitulada Campos Euclidianos (2012) em que apresento, em dípticos, uma imagem de um campo de futebol visto de um determinado ângulo e uma outra de uma lousa com apontamentos em giz sobre a natureza euclidiana daquela geometria.

Contudo a primeira imagem diz respeito ao campo de futebol, que é uma estrutura de duas dimensões,ou seja, um plano. Quando visto de um ângulo a geometria que se apresenta aos olhos e à lente é uma distorção dessa bidimensionalidade, pois insere-se mais uma dimensão: a altura dos olhos do observador ou da lente da câmera. Quando transformada em imagem fotográfica, essa visão, que antes havia se tornado uma perspectiva, passa a ser novamente um plano de apenas duas dimensões. E é esse último plano, em absoluto arbitrário, que é descrito pela lousa. A descrição então torna-se equivocada e limitada, traçando relaçõs entre as partes que não fazem parte da realidade das experências. Uma linguagem frustrada e vazia de significados coerentes. A esse respeito, o autor de “O Tao da Física” faz mais uma relevante colocação:

‘Os Elementos’ de Euclides foi um livro didático padrão em escolas européias até o começo deste século, e geometria euclidiana foi tomada como a verdadeira natureza do espaço por mais de dois mil anos. Precisou-se de um Einstein para fazer os cientistas e filósofos compreenderem que geometria não é uma natureza inerente, mas é imposta pela mente.”
(CAPRA, 1975, tradução nossa)

A falha humana residiria então na linguagem, onde se dariam seus equívocos e limitações, mas ainda assim impondo-se como verdade absoluta. Ao começar esse texto falando sobre a idéia de crise na Física, sugeri que nossa compreensão estaria limitada pela linguagem. Expor esse sistema de significados e significantes como falido é relevante pois ressalta os limites do que se considera absoluto para ultrapassá-los e partir então para uma experiência fenomenológica como propositora de uma apreensão mais honesta da existência.

A experiência em si, não somente aquela que diz respeito à ciência, mas a que nos coloca como participadores ativos da percepção do que nos cerca é o centro dos meus interesses. Desta forma, os trabalhos mais recentes que produzi, se estabelecem sobre a noção da ativa participação da entidade humana na compreensão do Universo e da revelação de padrões inseridos na relidade em todas as suas dimensões que passam silenciosamente longe de nossa percepção. Esse corpo de trabalhos, produzido durante a residência que realizei este ano na Baró Galeria, em São Paulo durante um período de dois meses, culmina agora na exposição intitulada Ordem, na mesma galeria.

Exposição "Ordem", de Felippe Moraes. Baró Galeria, 2014. Fotografia: Filipe Berndt.

Exposição “Ordem”, de Felippe Moraes. Baró Galeria, 2014. Fotografia: Filipe Berndt.

Todos os trabalhos desta exposição, de uma maneira ou de outra são experimentos científicos, ou seus registros, sobre a matéria e sua natureza e/ou tentativas linguísticas de compreender a realidade. Desta forma, a primeira série de trabalhos recebe como título Tubos Sonoros (2014). Constituída por oito tubos de aço inoxidável de tamanhos diferentes, são entitulados individualmente de acordo com uma das notas da escala musical. As peças são presas diretamente à parede produzindo uma composição visual e musical. O observador, que seria muito mais prudente chamá-lo aqui de experienciador ou ouvinte, é então convidado a colocar um de seus ouvidos na extremidade de cada um dos tubos e apenas escutar a sorrateira passagem de ar pelas estruturas de aço, vibrando e configurando-se em uma determinada frequência que chamamos de notas musicais. O ouvinte então escuta um frágil sopro de Mi, Fá, Ré, ou qualquer uma das outras.

Série Tubos Sonoros, 2014 - aço inoxidável, chapa de aço pintada e acrílico, dimensões variáveis.

Série Tubos Sonoros, 2014 – aço inoxidável, chapa de aço pintada e acrílico, dimensões variáveis.

Após apresentar as notas da escala musical como elas se dão naturalmente no mundo dos fenômenos, surge o políptico de fotografia Solfejo (2014). Cada uma das oitos imagens revela um par de mãos, uma aberta e outra apontando para uma articulação dos dedos. Esse procedimento é em si um método criado pelo monge italiano Guido D’Arezzo (992-1050 d.c.), para o ensino da leitura musical e foi chamado de “A Mão Guidoniana”. Além da elaboração desta linguagem gestual, o italiano deu nome às notas musicais, pois até então não possuiam uma nomenclatura própria e nem se tinha uma exata precisão sobre o que era cada uma. D’Arezzo então nomeou-as à partir da primeira sílaba de cada palavra de um texto sagrado em latim entitulado “Hino a São João Batista” composto por Paulo, O Diácono (720-799?). O monge percebeu que cada parte da melodia do Hino iniciava-se com uma nota ascendente, em um tom ou semitom, produzindo assim então a escala musical: Ut, Re, Mi, Fa, Sol, La e Si. A primeira nota posteriormente seria renomeada de Dó por terminar em uma vogal facilitando assim o seu canto. O Hino segue da seguinte maneira:

Ut queant laxis
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum
Sancte Ioannes
(grifo nosso)

A partir dos Tubos Sonoros (2014), onde a frequência da vibração do ar passando pelos tubos produz o que muitos reconhecem como as notas musicais, em Solfejo (2014), reenceno a técnica da mão guidoniana de certa forma a cantar com uma silenciosa sucessão de vocalizações mudas, refletindo sobre o caráter de código das frequências que chamamos arbitrariamente de notas musicais.

Solfejo, 2014 - impressão fotográfica sobre papel fine art, 39,5 x 59 cm (cada).

Solfejo, 2014 – impressão fotográfica sobre papel fine art, 39,5 x 59 cm (cada).

Outro experimento que muito me fascinou durante a elaboração destes trabalhos foi a placa de Chladni. Trata-se de um sistema relativamente simples onde areia é depositada sobre uma placa de metal que por sua vez é instalada sobre uma caixa de som. Por meio da aparelhagem de áudio, são emitidas frequências que fazem a placa vibrar, produzindo surpreendentes desenhos regulares e simétricos na areia. Quando se passa para outra frequência, o desenho então vai novamente se reconfigurando com novas formas.

Série Desenho Sonoro, 2014  - impressão fotográfica sobre papel fine art,  50 x 50 cm (cada).

Série Desenho Sonoro, 2014 – impressão fotográfica sobre papel fine art, 50 x 50 cm (cada).

A partir desse experimento, produzi a série de fotografias Desenho Sonoro (2014), onde cada uma das imagens recebe como título a frequência que produziu os desenhos: 97Hz, 178Hz, 271Hz, 790Hz, 980Hz e 1228Hz. Revelam-se assim desenhos inscritos secretamente na trama do Universo, assim como o π, que apesar de lermo-los como geometria, ultrapassam os limites e compreensões mais profundas desta disciplina e são inerentes ao Universo independentemente dela. A geometria deixa de ser a propositora da ordem das formas e passa a ser uma leitura sobre a mesma, uma das infinitas maneiras de se refletir sobre as configurações da matéria.

O último corpo de obras dentro de Ordem é Movimento Pendular (2014). Este também, assim como todos os anteriores, não é uma descoberta do artista e têm sido feito há gerações. O trabalho do artista está em unir esses corpos reflexivos sob uma mesma articulação mental e subjetiva para, a partir da arte, propor compreensões outras a esses fenômenos que a ciência em si não daria conta de oferecer. Costumo pensar que as principais disciplinas do pensamento humano como a arte, a filosofia, a ciência e a religião estão todas lidando com o mesmo grande conceito do intangível e do incompreensível, mas cada uma com suas respectivas conclusões e objetivos, onde, como no caso da arte, não existe nem finalidade objetiva, muito menos conclusão.

Movimento Pendular #1, 2014 - Tinta esmalte sobre papel preto, 150 x 150 cm.

Movimento Pendular #1, 2014 – Tinta esmalte sobre papel preto, 150 x 150 cm.

Em Movimento Pendular (2014) observei e executei diversos experimentos sobre a natureza dos pêndulos circulares. Quando observados sem a devida atenção parecem meros movimentos aleatórios de um corpo de massa suspenso por um fio qualquer, mas quando vistos sob um olhar criterioso e atento, revelam-se complexas formas regulares e de leitura geométrica muito precisa. Tais formas são conhecidas como Figuras de Lissajous ou Curva de Bowditch, em homenagem aos cientistas Jules Antoine Lissajous, que pesquisou o fenômeno em 1857 e Nathaniel Bowditch, que os estudou em 1815.

Como resultado, são mostrados desenhos feitos com tinta branca sobre papel preto que foram obtidos a partir da simples ação de soltar aleatoriamente um recipiente furado em sua base suspenso por um fio contendo esse pigmento. Os desenhos vão então naturalmente se configurando sobre o papel.

Movimento Pendular (2014) também é mostrado como uma instalação em que um grande pêndulo de vidro é suspenso por um cabo de aço e preenchido por uma areia muito fina. O corpo é solto e a areia começa a cair diretamente sobre o chão, formando delicados e efêmeros desenhos que podem ser soprados pelo vento e deixarem de existir e nunca mais voltarem a ser vistos, pois nenhuma figura é absolutamente igual à outra.

Fotografia: Filipe Berndt

Fotografia: Filipe Berndt

O exercício de revelar desenhos e padrões (em suma, ordem) está presente em todos esses trabalhos mais recentes, em que, por meio da experiência, são vislumbradas novas apreensões do que nos cerca e que muitas vezes é invisível. A crise da linguagem, da qual tanto falei aqui, não é uma derrocada em si, ou o fim de um sonho de dar conta de explicar o mundo. Trata-se do último desfazimento daquele pensamento categorizador que culminou no século XIX e que está tão presente até hoje nas articulações de nosso pensamento, limitando-o e renegando-o à mediocridade da lógica. É o momento em que todos aqueles problemas advindos da catalografia desfalecem a fim de propor novas articulações. Aquelas teorias ou filosofias desta natureza que atingiram seus pontos mais altos ou foram criadas nesse período histórico dão lugar a novas formas de compreender o universo em toda sua grandiosidade e paradoxalidade, fugindo dos padrões racionais e ditos coerentes. Seria, em suma, o momento da passagem de uma física newtoniana, para aquela da mecânica quântica e da teoria da relatividade especial, o desdobramento do pensamento cartesiano para um mais fenomenológico e baseado na experiência do mundo, a sobreposição de procedimentos rizomáticos no lugar das categorizações axiomáticas, é o momento de passagem para as filosofias espiritualistas pragmáticas como o espiritismo e toda sua catalogação de perguntas e respostas, o protestantismo com seu apreço pela salvação através da palavra precisa das escrituras, e até mesmo do catolicismo com sua parafernalha teológica e dogmática, dando lugar às práticas espirituais menos ortodoxas como a Umbanda, o Candomblé, o Budismo e tantas outras filosofias culminantes de diversos movimentos heterodoxos e que muitas vezes ainda nem alcançamos em nosso tempo ou sequer vislumbramos suas existências. Nenhuma delas é superior ou inferior à outra, e nem são disciplinas estanques, ao contrário, uma culmina na outra, não sendo possível precisar exatamente onde começa uma e onde termina a outra. Não diria nem que se trata de sobrepujar filosofias do passado, mas sim conferir a elas caráteres menos ortodoxos e limitadores. Todas elas nos propõem uma experiência daquilo que se está lidando, seja da matéria, do pensamento ou do espírito, e não somente uma deslocada e fria abordagem daquilo que em tanto nos ultrapassa.

A experiência passa a ser a propositora de novas formas de apreender o mundo em que estamos inseridos, não somente como distanciados observadores, paradoxalmente, observando arbitrariamente aquilo mesmo em que se está inserido, mas como participadores ativos que desencadeiam relações, novas conexões e encontros entre símbolos, átomos e neurônios. E como diria o físico Carl Sagan: “E um grama de observação não vale mais que uma tonelada de teoria?” (SAGAN, 1981, tradução nossa).

Bibliografia

CAPRA, F. The Tao of Physics. Colorado: Shambala Publications, 1975.
LYKKEN, J.; SPIROPULU, M. Supersimentria e a Grande Crise da Física. Scientific American Brasil, São Paulo, v. 145, p. 26 – 31, Junho 2014.
SAGAN, C. Contact. New York City: Fifth Grade, 1981.

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FELIPPE MORAES (1988) é mestre em Fine Art pela The University of Northampton. Suas principais exposições individuais foram “Construção” no Paço das Artes em São Paulo em 2011, “Matter” na MK Gallery no Reino Unido em 2012 e “Ordem” com curadoria de Adriano Casanova na Baró Galeria como resultado de sua residência artística de dois meses na mesma instituição. No mesmo ano esteve na mostra “Repentista #1” na Nosco Gallery em Londres. Em 2013 apresentou a exposição “Hipotética” com Jonas Arrabal no Largo das Artes. Esteve em relevantes exposições como “City as a Process” (2012) na 2nd Ural Bienial na Rússia, “The Infinity Show” (2013) na Northampton Contemporary Art Gallery no Reino Unido e “Mutatis Mutandis” com curadoria de Bernardo de Sousa e Bruna Fetter. Selecionado para salões nacionais como Guarulhos em 2010, Novíssimos IBEU em 2012, Itajaí e Jundiaí em 2013 e Fortaleza em 2014.

 

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