Meu Tempo Livre – Gabriel Mascaro, 2013. Frames dos vídeos enviados pelos Amazon Turks.

Meu Tempo Livre

Gabriel Mascaro

Em 2009 a gigante corporação americana de tecnologia Amazon criou um poderoso dispositivo interativo chamado Amazon Mechanical Turks. A plataforma possibilita que as empresas postem questionários online. Os usuários são chamados de Amazon Turks e podem escolher quando, quantos e como responder aos questionários, auxiliando empresas a mapearem, de forma eficiente, rápida e econômica, comportamentos e desejos de consumo. O pagamento pela resposta dos questionários é computado em moeda virtual e rende bônus a ser revertido em consumo de produtos na rede Amazon. Proponho aqui comprar o tempo dos usuários – com a contrapartida de que fiquem dez minutos sem responder a nenhum questionário da Amazon – para que eles possam usufruir um tempo supostamente “livre”. A condição paradoxal, no entanto, é que os usuários comprovem esse usufruto enviando um vídeo gravado pela webcam como resposta à tarefa proposta, para a consequente liberação do pagamento.

O trabalho se localiza neste duplo, nesta zona limítrofe de um tempo livre por encomenda. Se para alguns usuários isto se transforma num tempo lúdico a ser experienciado (beber cerveja, jogar games, fazer maquiagem, tirar catôta do nariz), para outros é um gesto de subversão contra mim e a Amazon (deixar a câmera ligada e sair da frente dela como gesto de negação deste ‘compartilhar’ o que é mais íntimo e singular, o tempo banal) e para outros apenas mais uma tarefa a ser tecnicamente executada com excelência, como retardar o ato de gozo, porque o contrato é de 10 minutos e fica feio gozar antes de hora e ficar de pau mole na frente da câmera o resto do tempo, sabendo ainda que eu, enquanto empresa encomendante do serviço, posso não gostar da resposta à minha Pesquisa de Mercado e simplesmente não validar o pagamento.  Caso respondam de forma indesejável ou fora do padrão, como medida punitiva posso ainda qualificar os usuários como ‘usuários sem qualificação para respostas complexas’. A Amazon juridicamente protege as empresas para que elas só validem as pesquisas que as interessem.  Estamos falando de um dispositivo bastante sofisticado para gerar lucros e respostas ‘objetivas’. Encomendar imagens como resposta não faz parte do código de conduta e é terminantemente proibido a subjetividade personificante nas respostas.

Percebendo o sistema de pesquisa de Mercado da Amazon como um regime gerenciador de encontros, o que mais me interessou nesta pesquisa foi atuar de forma perversa neste duplo no intento de tensionar um tempo incompossivelmente livre, especialmente impossível no momento que este tempo é encomendado e pago por uma empresa Gabriel Mascaro – que tem um contrato de tempo com os usuários, que os remunera para que alguma performance supostamente ‘livre’ seja executada, e assim, encenada. Ao final, fui banido por violar a privacidade dos usuários ao comprar imagens. A Amazon agora protege os usuários e não está mais do meu lado.  A Amazon me trai e trai aos usuários, eu traio aos usuários e a Amazon duplamente, e os usuários traem a mim e a Amazon. Este jogo de “traição” me parece uma estratégia mais sincera e honesta do que a “inocência” por trás de muitos dos discursos ufanistas que mitificam a criação em rede como estratégia política legitimadora.

***

Gabriel Mascaro (29 anos) vive e trabalha no Recife (Brasil). Entre o cinema e as artes visuais, seu trabalho já circulou nos Museus de Arte Contemporânea de Barcelona, Museu de Arte Contemporânea de Vigo, La Casa Escendida- Madrid, 32º Panorama da Arte Brasileira – MAM SP, Videobrasil, e em importantes festivais de cinema como Roterdã, CPHDox, Oberhausen, Visions du Rèel, IDFA, Munique, Jihlava, Bafici, Los Ângeles, Miami, Indielisboa, Bratislava, com destaque nas revistas Variety (EUA), Cahiers du Cinema (FRA) e E-Flux (EUA). Mascaro esteve no Programa de Residência Artística Videobrasil /Videoformes – Clermont Ferrand (FRA) desenvolvendo uma série de instalações.

Meu Tempo Livre (My Free Time) foi instalado no Espace dÁrt Conteporain La Tôlerie (Clermont Ferrand, FRA). A pesquisa foi desenvolvida noPrograma Videobrasil de Residência – 17° Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil / Programme de résidence d’artistes VIDEOFORMES 2012/2013, com apoio da  DRAC d’Auvergne e com apoio do Consulado da França em São Paulo. Création réalisée avec le concours de Clermont-Communauté dans le cadre de sa politique de création.

Mais informações no site do artista: http://gabrielmascaro.com/