06 | Editorial

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Guerra

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Guerra

[outono de 2014]

Porque arte é sempre conflito.
Sergei Eisenstein

 

Impossível pensar a história e a atualidade sem levar em conta todas as violências que nos atravessam – na cidade, na floresta, nas notícias, nas imagens – por todos os cantos somos forçados a refletir e sentir os afetos dos embates do mundo.

A guerra é o conflito elevado a sua máxima potência. O Brasil, assim como quase todas as Nações, se construiu sobre ela. No nosso caso, uma guerra contra populações indígenas, que já mudou de contexto e lugar muitas vezes, mas que se mantém ao longo de 514 anos e não parece encaminhar para um fim. Mas as nossas guerras não param por aí. Sequestramos e escravizamos por séculos milhares de africanos, e seguimos ainda hoje mantendo-os como cidadãos de segunda classe. Os negros, os índios e os pobres são os inimigos – de quem? – nesta guerra velada que mata muitas pessoas diariamente.

Todos os homens – ricos, pobres, negros ou brancos – devem comparecer obrigatoriamente às forças militares aos 18 anos para serem avaliados e talvez forçados a entrar no sistema de treinamento e de serviço militar, condicionados por uma certa disciplina e ideologia construídas para a guerra. A manutenção permanente de forças armadas criou uma parcela da sociedade que está sujeita a uma ética, uma hierarquia e até a tribunais de justiça específicos, separados do restante da sociedade civil. Em alguns países a militarização do cidadão é ainda mais aguda: em Israel, por exemplo, todos os jovens são obrigados a prestar serviço militar, as mulheres por dois anos e o homens, por três – uma medida passou a funcionar como ritual de amadurecimento do jovem adulto.

As guerras, em momentos diversos, estiveram por toda a parte do mundo. Por traz delas, motivos de defesa, de vingança, de luta por territórios, mas também uma série de interesses econômicos mascarados. É preciso afirmar razões e construir consensos para entrar em guerra – seja para sua decisão na cúpula de poder ou em um grupo subversivo, ou para sua aprovação pela população. Para tanto, partimos para uma série de frágeis justificativas, como a guerra às drogas, a guerra pela democracia ou a guerra pela paz.

Para atingir esse consenso, a guerra há de ser viável e “saudável” para o conjunto da sociedade. Seus custos têm de ser revertidos em ganhos, e aí se inicia uma economia da guerra. Os estados precisam manter seus exércitos e equipamentos sempre prontos para um ataque ou uma defesa. A indústria precisa que os investimentos dos estados não cessem, ou causarão a diminuição nos lucros e no desenvolvimento de novas tecnologias. Temos aí uma rede de fatores humanos e não-humanos, que envolve militares, civis, armamentos, empresas, estados, territórios, ciência, tecnologia e vítimas. Caberá à arte um nó nesta rede?

O que assusta é a normalidade da violência construída pelos meios de comunicação. E então criamos uma série de palavras que ajudam a manter a justificativa para a guerra e a violência: os estrangeiros passam a ser bárbaros; os manifestantes, vândalos; os estudantes, baderneiros; os ativistas, terroristas; os moradores de favelas, traficantes. As palavras servem à guerra.

Ao olhar para uma guerra somos forçados a tomar posição – identificar opressores e oprimidos. Ela sempre suscita a indignação e o lamento, acompanhado do sentimento de impotência. Não é fácil encarar a guerra.

Nesta edição, apresentamos uma montagem de diferentes perspectivas. Os leitores poderão encontrar visões filosóficas, pessoais, técnicas, históricas, científicas, poéticas e políticas sobre a guerra e os conflitos – um ponto de partida para este tema nebuloso.

Realizamos uma entrevista com o fotógrafo esloveno Evgen Bavcar, que ainda na infância ficou cego ao pisar num artefato explosivo. Nesta conversa guiada por Diogo Oliveira, Sofia Tessler de Souza e Mayra Martins Redin, Evgen narra suas lembranças, imagens que guardou na memória antes de perder a visão. Entrevistamos também o artista carioca Ronald Duarte, que desenvolveu uma série de intervenções urbanas e performances chamada Guerra é Guerra. A visceralidade e entrega do artista para pensar a violência urbana nos parece fundamental para abordar os sistemas repressivos do poder na cidade do Rio de Janeiro.

Ainda investigando os conflitos da cidade calamitosa, a artista Juliana Franklin coleta marcas de balas perdidas em paredes de diversas favelas do Rio. A pesquisadora Paola Zordan traz dois ensaios em que aborda os conceitos de “máquina de guerra” e de inimigo, e o escritor e tradutor Donaldo Schüller publica um ensaio com trechos de traduções de clássicos como a Odisseia, de Homero, Os Sete contra Tebas, de Ésquilo, e Finnegans Wake, de James Joyce.

O pesquisador Luís Timóteo Ferreira apresenta um artigo sobre as guerras da ciência, revelando um embate acadêmico entre as ciências exatas e àquelas humanas. O geógrafo Licio Monteiro revela as relações entre as guerras e as fronteiras políticas, trazendo um panorama histórico que mostra como as técnicas da guerra podem definir a nossa experiência do território.

Dois artistas, o japonês Isao Hashimoto e a espanhola Cristina Lucas, utilizam a animação e o mapa mundi para pensar nos afetos globais da guerra. A obra Pantone, de Cristina Lucas mostra, através de tons de cores, as mudanças das fronteiras do ano 500 AC até 2007, enquanto Isao Hashimoto revela todas as explosões e testes nucleares feitos no mundo de 1945 a 1998.

A diretora da cia de teatro AMOK, Ana Teixeira, traz um ensaio sobre a pesquisa que desenvolveu para a Trilogia da Guerra, e a dupla de diretores espanhóis Lalo García e Txell Sabartés exibem seu documentário Welcome to the Real World, em que visitam uma das maiores feiras de armamentos do mundo, a Eurosatory, realizada periodicamente em Paris.

O cientista político Clóvis Brigagão revela as dificuldades de uma pesquisa a respeito da paz, das negociações e resoluções de conflitos, assim como a intricada relação entre ciência e guerra. Por fim, publicamos a tradução da Agência Transitiva do texto Guia para exigir o impossível, escrito pelo coletivo de arte e ativismo Labofii, baseado em Londres. Um guia-manifesto inspirador, que faz um panorama histórico das lutas de ativistas e artistas por mudanças na sociedade. Há esperança.

Boa leitura!

Marina Fraga
editora 

 

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Revista Carbono #06 >> Guerra
[outono 2014]

EXPEDIENTE:

Editora-chefe
Marina Fraga

Co-editora
Mayra Martins Redin

Conselho Editorial
Marina Fraga
Pedro Urano
Marcelo Bozza
Mayra Martins Redin
Mayana Redin
Lilian Zaremba
Ricardo Kubrusly

Assistente Editorial
Duda Magalhães

Colaboradores da edição #06 [Guerra]
Agência Transitiva
Ana Teixeira
Cristina Lucas
Clóvis Brigagão
Diogo Oliveira
Donaldo Schüller
Evgen Bavcar
Isao Hashimoto
Juliana Franklin
Lalo García
Licio Caetano
Luís Timóteo Ferreira
Paola Zordan
Ronald Duarte
Sofia Tessler de Souza
Txell Sabartés

O conteúdo dos artigos é de exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados aos autores.

Tradução
Ricardo Romanoff
Chico Fernandes
Diogo Oliveira
Sofia Tessler de Souza
Mayra Martins Redin

Design, Projeto Gráfico e Identidade Visual
Amapola Rios /Liquezen

Programação Web
Agência Rastro

Agradecimentos especiais a
Mayra Martins Redin
Pedro Urano
Felippe Mussel
Marcelo Bozza
Nena Balthar
Paula Azulgaray
Diogo Oliveira
Sofia Tessler de Souza
Elida Tessler
André Reyes Novaes
Lucia Vignoli
Paulo Petersen
Chico Fernandes
Mayana Redin
Rafael Barcellos Santos
Família Ferreira Fraga
Família Ferreira Urano
Lis Urano
Funarte
Ministério da Cultura
e a todos os autores.

Rio de Janeiro, abril 2014.

Este projeto foi contemplado pelo Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais – Periódicos e Revistas sobre Artes Visuais / 2012.

 

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