07 | Dossiê

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Notas sobre a invenção de máquinas e signos arbitrários entre a dimensão visual e sonora

Notas sobre a invenção de máquinas e signos arbitrários entre a dimensão visual e sonora:

 

Isabel Carneiro 

 

O tema “Encontro” se dá entre trabalhos artísticos que fabricam modos próprios de relacionarem a dimensão visual com a dimensão sonora.

 

1- Castel

As relações ficcionais entre música e pintura se dão pela criação de códigos inventados entre a dimensão visual e sonora. O marco inicial é o padre jesuíta Louis-Bertrand Castel que em 1725 criou o cravo de cores, cada nota se correspondia a uma cor. O cravo de Castel produzia cores conforme o acionamento do teclado, cada nota levantava um pequeno espelho que refletia determinada cor.

“Seu cravo ocular, realizado por volta de 1725 é dotado de um cravo de teclas que ativam pequenas lâminas de tecidos impregnadas de diferentes tintas, que conforme o acionamento da nota, ela suspende uma janela, na qual, pelo princípio da lanterna mágica, ativa uma projeção espectral de luzes coloridas.” (ROUSSEAU, Paris, 2004, p. 31)

2- O piano cromático de Thomas Wilfred criado em 1922 o “Clavilux” é uma continuação do pensamento de Castel e é um aparelho que projeta por meio de um mecanismo complexo os primas móveis de lentos caleidoscópios e de espelhos curvados, formas chrono-luminosas sobre uma tela panorâmica planar ou semi-circular. As primeiras performances do “Clavilux” foram feitas no Experimental Theatre de Long Island, em que a luz era emitida a partir do som gerado pelo teclado conectado ao projetor.

3- Transdução

NanCarrow, na década de 1970, inventou o sistema da pianola que consistia de inscrições físicas na superfície de rolos que eram executados por uma máquina, a frequência era aumentada de acordo com as inscrições que produziam determinados sons. A relação de transdução é visível em sua obra, em que a dimensão física da partitura, em que as marcações são feitas sobre a superfície do rolo é transformada em som quando performada pela pianola.

Experimento de NanCarrow.

Experimento de NanCarrow.

 

4- Optophone

Em 1922, o artista dada Raoul Hausmann colocou as bases teóricas do som “optophone” um dispositivo relativamente simples que permitia traduzir eletronicamente a luz em ondas sonoras e inversamente. O optophone muda as imagens de indução luminosas com a ajuda da célula de selênio e as transforma de novo em som através de um microfone colocado dentro do circuito elétrico, assim, o que aparece como imagem na estação de emissão se torna som nas estações intermediárias e se fizermos o inverso o procedimento, os sons se tornam imagens.

“Se colocamos uma célula de selênio em frente a um arco luminoso em movimento acústico, ele produz diferentes resistências que agitam a corrente elétrica seguindo um estágio de luminescência, nós podemos ainda forçar o raio luminoso a produzir correntes de indução e os transformar, assim os sons fotografados sobre o último filme da célula de selênio aparecem como linhas mais curtas ou longas, mais claras ou escuras, e se transformam de novo em sons, e inversamente o processo continua.” [1]

No seu texto sobre o optophone para a revista MA, Raoul Hausmann apresenta a dimensão espaço-tempo como um sexto sentido. O sentido de tempo-espaço é o principal de todos os sentidos. Ele falava das relações orgânicas entre o olho e o ouvido, é o que mostram suas fotomontagens e seus desenhos. É necessário estabelecer que a teoria da relatividade de Einstein datada de 1905, onde o tempo é conhecido como uma quarta dimensão do espaço e que na teoria da relatividade geral, a matéria é assimilada como uma curvatura do tempo e espaço. Mais precisamente, numa carta à Henri Chopin de 23 de julho de 1963, Raoul Hausmann escreveu: “Eu gostaria de chamar a atenção para o fato que desde 1922 eu desenvolvo a teoria do optophone, aparelho que transforma as formas visíveis em sonoridade e vice-versa. Procedimento para combinar números sobre a base fotoelétrica, que seria uma variante desse aparelho e também o primeiro robô. Para construir o optophone me falta dinheiro.” Em outro texto não datado sobre o optophone ele explica o caminho da sua descoberta:

Se nós dirigimos através de uma placa de quartzo o reflexo de diferentes ordens de raios microscópios por um cilindro dotado de fendas como uma tabela de multiplicação, nós podemos obter os fenômenos de reflexão da luz colorida de aspectos muito variados pela dispersão dos raios passando pelas fendas do cilindro multiplicador, e nós obtemos sobre uma tela os fenômenos coloridos, mas deformados pelo ângulo da reflexão. Isto nos permite desenvolver um processo automático de formas variadas de luz refratária e de introduzir as mudanças dos canais de ordens visuais, os sistemas análogos por um procedimento de imaginação sobre uma base elétrica, análogo ao comportamento das descargas eletrônicas.

5- Muitos autores criaram formas de relação entre sons e cores, essas pesquisas constituem elas mesmas uma obra de arte. Como a teoria dos quatro movimentos de Charles Fourier (1808) em que ele tentou estabelecer uma teoria da harmonia universal entre formas, cores, sons e desejos:

Dó. Amitié. Violet. Addition. Cercle. Fer
Mi. Amour. Azur. Division. Ellipse. Étain
Sol. Paternité. Jaune. Soustraction. Parabole. Plomb
Si. Ambition. Rouge. Multiplicat. Hyperbole. Cuivre
Ré. Cabaliste. Indigo. Progression. Spirale. Argent
Fá. Alternante. Vert. Proportion. Quadratice. Platine
Lá. Composite. Orange. Logarithme. Logarithmique. Or
Dó. Uniteísme. Blanc. Paissances. Cyloide. Mercure

6- Piano Cromático

Uma das máquinas em que há relação de tradução entre música e pintura é o piano mecânico de Catherine Arnaud. Consiste em instrumento que funciona à base de um motor pneumático que transforma as partituras na forma de pinturas em música, notas que correspondem às oitenta e oito notas do piano, em rolos que serão performados. A partitura tem forma de um rolo com buracos que correspondem às oitenta e oito notas do piano. Os ritmos cromáticos de Arnaud são fabricados por rolos de partituras que se apresentam como grades que servirão de base para as performações que correspondem às diferentes notas do piano. É uma nova arte visual no tempo, em que a cor ritmada faz compreender a música como um movimento de formas pictóricas. A ideia do projeto de Catherine Arnaud é o diálogo entre as cores da pintura e os ritmos da música, o encontro entre o espaço da pintura e o tempo musical. Ela diz:

“A primeira coisa é que eu preciso de uma partitura musical. A partir dessa partitura, nós a transferimos sobre um disquete, isto que nos permite realizar um rolo de música com um computador que faz uma performação automaticamente depois do disquete. Os rolos de partituras de piano mecânico se apresentam como uma grade que é base para as performances. Este piano funciona a eletricidade através de um motor pneumático que envia ar dentro das pequenas performações na flauta de pan. Os oitenta e oito buracos regulares formam uma margem horizontal sobre a qual a flauta de pan representa às oitenta e oito notas do piano. Quando as performações do rolo passam sobre a flauta de pan, o ar que passa entre os buracos é acionado.” (BOSSEUR, 2010, p. 40)

Piano de Catherine Arnaud

Piano de Catherine Arnaud

7- Intermídia

Um dos acontecimentos mais importantes do desenvolvimento da música no século XX foi encontrar uma forma de escrita musical que não tivesse intermediários, prescindindo de uma execução através de instrumentos ou do próprio computador, uma escrita que fosse ela mesma o próprio som. Essas pesquisas surgiram com o primeiro artista intermídia Moholy-Nagy que propôs que se estudasse cientificamente as minúsculas inscrições que figuram na cera do vinil, na gravação fonográfica a fim de saber exatamente quais formas gráficas corresponderiam à quais fenômenos acústicos. Para o desenvolvimento ele sugeriu atualizar a lógica formal geral que rege a acústica e a inscrição gráfica, dominar e depois produzir as marcas que uma vez reduzidas a um bom entalhe e inscritas sobre a superfície do disco, constituem literalmente uma escrita acústica capaz de produzir sons desconhecidos. Esse modo de escrever diretamente os sons permitiriam aos compositores suprimir o intermediário da criação musical, escrevendo suas próprias composições sobre a forma de uma escrita acústica que oferece aos músicos a possibilidade de se exprimirem e transmitirem não importa em que linguagem ou som. Esse alfabeto sonoro da inscrição gráfica do som sobre a superfície do vinil se tornou irrealizável com a invenção de mídias ainda mais codificadas como os cds, mas essa linha de pensamento de conseguir uma escrita sem intermediários evoluiu com a banda sonora da película de filme em que as experiências de Oskar Fishinger em 1922 aconteceram e possibilitaram uma escrita acústica em que a forma do desenho ou da imagem geraria um som correspondente.

“Esta prática da visualização do som por contato direto da vibração sonora com a superfície onde ela vem a desenhar sua própria forma entretêm um modo menos evidente com as sinfonias de cores que são reclamadas pelas pesquisas de Castel. Elas constituem portanto a origem do desenvolvimento no século XX sobre o termo genérico de intermídia. Entendido no senso estrito atribuído a paternidade a Lazlo Moholy-Nagy, a intermídia se opõe à associação exterior das medias- uma imagem acompanhada de um som- a transformação física de um meio no outro pelos meios eletrônicos. Aqui, o som à imagem organiza uma relação de dois termos e tem uma lógica de reversibilidade. Porque podemos materializar as formas do som, então se pode produzir fenômenos sonoros a partir de formas visuais. É esta a categoria tecnológica que um instrumento de conversão luz/som conhecido para o uso dos cegos em 1912 desenvolvido pelo doutor Founier Albe, o optophone- instrumento elaborado na Universidade de Birmingham, utilizando uma célula de selênio para deixar audíveis as percepções espaciais”. (LISTA, 2004, p. 68)

Adotando sempre um ponto de vista pragmático, Moholy-Nagy percebe imediatamente nos novos procedimentos ópticos do som pelos filmes, comercializados ao final dos anos 1920, um meio de dar corpo à visão do alfabeto gravado, inscrições físicas na cera do vinil, em que ele havia trabalhado longo tempo. Nos filmes, os problemas técnicos colocados pelo tamanho minúsculo das inscrições sobre o vinil são resolvidos graças a uma transcripção gráfica do som que se torna visível. A nova tecnologia óptica traduz as ondas sonoras por meio de um microfone e de uma célula fotossensível de selênio em motivos luminosos que seriam captados de maneira fotoquímica sobre a forma de minúsculos traços gráficos sobre uma pequena banda da película. O filme sonoro parece a Moholy-Nagy um meio melhor de explorar as questões do alfabeto sonoro-visual. As experiências de fazer desenhos sonoros começaram com Pfenninger e Fischinger com o desenvolvimento de suas películas desenhadas na banda sonora, que foi também o início do som sintetizado, sons que não possuíam uma fonte de origem, produzindo sons novos, nunca ouvidos antes. Pfenninger se concentra sobre a elaboração tecnológica de uma nova forma de escritura acústica, um semio-pragmatismo do som onde a função é liberada da composição e a utilização de instrumentos musicais e das convenções da notação da época. As experiências de Fischinger ao contrário de Pfenninger se debruçam numa construção de ornamentos visuais que se transformam em som, mas o inverso não pode ser conseguido, que o som se transforme em desenho, já a construção de Pfenninger, mais teórica e técnica, se debruça em achar uma nova forma de notação acústica “construir um aparelho que pareça uma máquina de escrever, que ao ler as letras colocadas uma depois das outras estabeleçam signos correspondentes às ondas sonoras.”

8- Cage

Em 1961, John Cage na sua conferência “O futuro da música: credo”, diz que é possível para um compositor fazer a música diretamente, sem assistência dos instrumentos intermediários. Ele diz que todo o desenho repetido um número suficiente de vezes sobre uma banda sonora se torna audível. Duzentos e oitenta círculos por segundo de uma Monalisa sobre uma banda sonora produz determinado som.

9- Milan Grygar

A relação de constituir uma obra em que a dimensão física do som é a mesma da imagem acontece na obra de Milan Grygar que nos anos 1960 estabelece a relação do gesto pictorial-espaço temporal com a dimensão sonora. Seus desenhos são feitos através de uma performance que as mãos do intérprete e os aparelhos mecânicos constroem formas pictóricas e sonoras. O artista presta atenção aos sons emitidos na criação de obras pictóricas. Ele experimenta o registro dos processos criativos e expõe suas pinturas paralelamente com a banda sonora da execução. Ele cria grandes desenhos e quadros com a fixação sonora dos movimentos das mãos e com ajuda de mecanismos sonoros. A partir de 1967, cria e realiza partituras gráficas em que o traço pictórico gera uma sonoridade inscrita nas telas formando uma composição sonora e visual, cria obras táteis em que a linha do desenho gera um som performativo, ações pontuais através da pessoa física do artista que entra diretamente na obra. Grygar mostra depois suas obras como partituras gráficas, baseadas em princípios diversos (de cores, arquiteturas e espaço), com indicações muito precisas sobre os instrumentos musicais e fontes sonoras utilizadas em suas composições. Na obra de M Grygar, a passagem do desenho ao som se opera de uma maneira orgânica, nesses tipos de desenhos que ele nomeia de “desenhos acústicos”, as ferramentas destinadas a inscrever pontos e linhas sobre uma folha de papel- onde vários aparelhos mecânicos que tem parcialmente seu controle- produz acontecimentos sonoros percussivos deixando os traços visíveis de sua passagem. M. Grygar faz perceber o desenho no momento de sua execução, uma forma sonora e visual mostrando o registro efetuado no momento da ação. Os desenhos acústicos tratam de uma mistura orgânica do movimento e do som no instante do gesto. O desenho acústico obedece a uma noção musical do tempo.

“Na obra de Milan Grygar, a passagem do som ao silêncio através do desenho se opera notadamente de maneira orgânica. Nesses tipos de desenhos, que ele denomina de desenhos acústicos, as ferramentas destinadas a escrever pontos e linhas sobre a folha onde vários aparelhos mecânicos que escapam parcialmente ao seu controle- produzindo eventos sonoros percussivos, os diferentes elementos constituem esse ambiente acústico- como vários instrumentos tocados simultaneamente- todos deixando marcas visíveis de suas passagens. M. Grygar pode também escolher entre diversos modos e perceber o desenho no momento mesmo de sua execução, uma vez sonora e visual. Expor mais tarde o desenho levando ele de novo ao silêncio e a imobilidade e mostrando a gravação efetuada apresentando como evento sonoro ao propor a partitura, o desenho, aos músicos a fim de que eles experimentem a partir de novas hipóteses de execução.” (BOSSEUR, 2010, p. 76)

Milan Grygar

Milan Grygar

10- Nan June Paik

Em seu trabalho “13 televisores preparados” existe uma síntese entre o visual e o sonoro, os televisores funcionam como um instrumento, como um piano preparado, por influência de Cage. Os televisores mudam aleatoriamente de imagem e som conforme as interferências no tudo catótico. Nan June Paik, compositor de música eletro-acústica, aluno de Stockhausen, se interessa pela dimensão sonora que os aparelhos de tv amplificam, as múltiplas sonoridades, ele confecciona partituras que serão executados por esses “televisores preparados”.   As notas descritas acima formam uma pequena lista de produções artísticas que existem desde o século XVIII, com o cravo de cores de Castel, até a contemporaneidade com o piano cromático de Arnaud, esses aparelhos e mecanismos quase científicos (ou também podem ser considerados uma pseudociência) são ao mesmo tempo formas poéticas, que evidenciam a relação de tradução, equivalência e correspondência no encontro entre o ver e o ouvir, estabelecendo assim novas possibilides de sinestesia.

[1] Site: http://www.costis.org/x/donguy/optophone.htm
[2] Idem ibidem

Referências bibliográficas :

BOSSEUR, Dominique e Bosseur, Jean-Yves. Revoluções musicais. Tradução Maria José Bellino Machado. Lisboa: Editorial Caminho, 1990.
BOSSEUR, Jean-Yves. Le sonore et le visuel. Editions Dis Voir, Paris, 2010.
CAGE, John. Le futur de la musique: credo in Silence- Conferénces et écrits. Editions Héros-Limite Genève 2003.
CAZNOK, Yara Borges. Música: entre o audível e o visível/ 2 ed. São Paulo: Ed. UNESP; Rio de Janeiro: Funarte, 2008.
LISTA , Marcela e ROUSSEAU, Pascal. Sons et lumière, Une histoire du son dans l´art du XXe siècle. Éditions du Centre Pompidou, Paris, 2004.

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ISABEL CARNEIRO é artista visual e doutoranda do PPGAV da UFRJ na linha de linguagens visuais onde trabalha sobre o conceito de partituras de temporalidades inconciliáveis em que busca traçar as possíveis relações de tradução, correspondência e paralelo entre música e pintura.

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