04 | Editorial

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Dinheiro

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Dinheiro

[Primavera 2013]

 

Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro.
Giorgio Agambem

 

As notas passam pelas mãos a todo tempo. Através delas, velozes elos de ligação formam-se entre desconhecidos. Cidadãos são, em geral, atormentados pela falta de tempo e dinheiro. Os dois termos parecem estar intrincados num embate de forças: se há um, não há o outro, e vice-versa. E o combate é a tal ponto acirrado que os dois viram quase equivalentes – há quem acredite que tempo é dinheiro.

Muitas vezes, os que almejam o conforto que o dinheiro proporciona temem virar prisioneiros do trabalho e perder seu precioso tempo. Artistas parecem especialmente atormentados por este dilema. Não há caminhos pré-estabelecidos ou garantias de carreira para o artista. O valor da arte é um enigma e se baseia em regras de complexidade infinita. Inserida no mercado, uma obra é uma moeda de troca cujo valor de face muda constantemente. Quem controla esse valor e quem ganha com essas trocas? O mercado de arte é o mercado das altas apostas.

 

Um dia, um jovem artista acordou e, ao contemplar seu ateliê repleto de obras, pensou:
“Estou sentado num monte de dinheiro, que tragédia se até hoje disso ninguém se deu conta!”.

 

Esses pedaços de metal, de papel, de plástico com chips magnéticos, e também as cifras que lemos nas telas de computadores, por vezes azuis, outras vermelhas, são índices de riqueza e de pobreza, de sucesso e de fracasso, e nos afetam cotidianamente. Inflação, impostos, dívidas internas e externas, PIB – palavras estampadas no jornais que influenciam nossas vidas, apesar de muitas vezes escaparem à nossa compreensão. A economia é um grande mistério. Aumentos de centavos podem desencadear um levante popular, como vemos acontecer desde junho no Brasil. A comoção é aguda, e demonstra a insatisfação de uma maioria que não se vê representada no jogo do poder. Por aqui, parece não haver limites para os interesses financeiros. O dinheiro move montanhas, como comprova diariamente a indústria da mineração.

A cada crise ressurge a ameaça do fim do dinheiro. Haverá melhor imagem da barbárie? Se o dinheiro atinge um status divino (e se já abandonamos há décadas o padrão-ouro), uma crise financeira passa a ser uma crise de fé. E, de fato, a moeda é o que garante a segurança entre negociantes desconfiados; representa a veracidade de uma transação. É para manter essa confiança que os Estados desenham suas moedas com designs de altíssima complexidade.

Afinal, como aferir valor às coisas? Quando o dinheiro não valer nada, o que iremos trocar?

Nesta edição, fechamos um ciclo de quatro estações da Carbono. Nesse tempo, buscamos pensar assuntos que atravessam os campos do conhecimento e potencializam as trocas de saber. Pensar o papel da arte na atual crise da modernidade nos impulsiona a traçar essa trajetória de aproximação com outras disciplinas.

Realizamos uma entrevista com o artista Cildo Meireles, para quem o dinheiro é uma mídia. Apresentamos uma tradução inédita no país do célebre texto ‘Como prover um serviço artístico’, da artista e pesquisadora norte-americana Andrea Fraser. Temos também duas contribuições da editora Azougue, que realizou uma entrevista sobre o design de moedas com João de Souza Leite, além de um artigo sobre moedas sociais, escrito por Sergio Cohn, Helena Aragão e Luana Vilutis.

Podemos observar artistas utilizando o DINHEIRO de diversas formas. A criação de bancos e de moedas presentes nos trabalhos do artista holandês Dadara e do pernambucano Lourival Cuquinha reverberam o desejo de transgressão e heresia da arte diante do deus Capital. As apostas de loteria estão presentes, de formas diferentes, nas obras do carioca Cadu e do capixaba Ivo Godoy. Matheus Rocha Pitta investiga os verdadeiros fundos do nosso Real, e Raquel Versieux nos convida a um passeio em direção à ‘feira da incoerência’.

A ‘Indústria do Conhecimento’ é revelada no artigo escrito pelos médicos e pesquisadores Vera Miguelote e Kenneth de Camargo Jr. E uma pesquisa neurológica traz revelações acerca do comportamento humano em sua relação com dinheiro, caridade e recompensa, por Patricia Bado e Tiago Soares Bortolini.

Apresentamos também um artigo sobre os embates sociais e econômicos travados pela agricultura familiar, do agrônomo Paulo Petersen, um artigo sobre uma possível ‘doença de custos’ nas atividades culturais, do economista Ronaldo Fiani, e a pesquisa antropológica sobre cultura e mercadoria na comunidade da Mangueira, realizada por Ana Carneiro.

A Art Rio 2013, realizada na cidade no início do mês, levantou uma série de discussões acerca do valor da arte e seu papel em nossa sociedade. A feira internacional movimenta o mercado, possibilita benefícios para artistas e trabalhadores da arte, estimula o investimento em arte e o surgimento de novos colecionadores, mas também evidencia o obscurantismo dos mecanismos de definição de valor das obras de arte.

Enquanto compramos, vendemos ou fruimos as obras, cabe questionar que lugar pode ocupar a arte na disputa pelo futuro que ocorre neste contexto de crise mundial. Qual o espaço dos artistas nesta negociação?

Boa leitura!

 

Marina Fraga
editora

*Colaborou Pedro Urano

 

Revista Carbono #04 >> Dinheiro
[primavera 2013]

EXPEDIENTE:

Editora-chefe
Marina Fraga

Co-editor
Pedro Urano

Conselho Editorial
Marina Fraga
Pedro Urano
Marcelo Bozza
Mayra Martins Redin
Lilian Zaremba
Ricardo Kubrusly

Assistente Editorial
Bernardo Girauta

Colaboradores da edição #04 [Dinheiro]
Ana Carneiro
Andrea Fraser
Cadu
Cildo Meireles
Dadara
Helena Aragão
Ivo Godoy
João de Souza Leite
Kenneth de Carmargo Jr.
Lourival Cuquinha
Luana Vilutis
Matheus Rocha Pitta
Patricia Bado
Paulo Petersen
Raquel Versieux
Ronaldo Fiani
Sergio Cohn
Tiago Soares Bortolini
Vera Miguelote

O conteúdo dos artigos é de exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos reservados aos autores.

Tradução
Lucas Peterson
Luiza Crosman
Bernardo Girauta

Design, Projeto Gráfico e Identidade Visual
Amapola Rios /Liquezen

Programação Web
Agência Rastro

Agradecimentos especiais a
Marcelo Bozza
Maria Mazillo
Sergio Cohn
Ricardo Basbaum
Mayra Martins Redin
Pedro Urano
Família Ferreira Fraga
Família Ferreira Urano
Lis Urano
Ana Paula Santos
Funarte
Ministério da Cultura
e a todos os autores.

Rio de Janeiro, setembro 2013.

Este projeto foi contemplado pelo Prêmio Procultura de Estímulo às Artes Visuais – Periódicos e Revistas sobre Artes Visuais / 2012.

 

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