Considerações sobre a Construção do Pêndulo de Foucault da UERJ
Malu Fatorelli e José Soares Barbosa
Este texto apresenta um diálogo em torno do projeto Experimento: desenho proposto à FAPERJ em parceria do Instituto de Artes e o Instituto de Física da UERJ. Esta conversa entre arte e ciência acontece na prática da construção de um Pêndulo de Foucault no espaço do Campus Maracanã da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
A construção do Pêndulo de Foucault (apoio FAPERJ) ainda em processo, traz como experimento científico possibilidades de realizar medições e observações no hemisfério sul – latitude UERJ. Como projeto artístico, o pêndulo vincula-se a obras relacionadas à questão do espaço e aborda o desenho, o gesto e o lugar como experiência poética.
Segundo as observações do físico Jean Bernard Léon Foucault, o plano de oscilação do pêndulo sofre variações associadas à rotação da Terra que estão relacionadas à latitude do lugar onde está instalado. No Pêndulo de Foucault da UERJ, a oscilação acontece sobre um círculo de lápis colocados verticalmente no piso. A variação do movimento pendular derruba os lápis, cria intervalos no círculo inicial e pode ser pensada como um desenho. Gesto planetário registrado na superfície da arquitetura.
A pesquisa Arquitetura de Artista reúne algumas proposições que tratam o Campus da UERJ como uma espécie de laboratório de projetos. A observação do espaço, suas sombras, intervalos e intensa circulação são fonte de trabalhos, assim também o interesse por escalas e medidas do tempo relacionadas à arquitetura. Desta forma, Experimento: desenho se associa a outras proposições que lidam com o espaço e a passagem do tempo e nos aproximam da Física Newtoniana.
Algumas obras artísticas antecederam a construção desse pêndulo como o trabalho Desenho no Campus realizado em 2011 na exposição Campus (DES)SITUADO do XX Encontro Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP). Uma instalação/desenho na escala de 1:1 em relação aos edifícios da UERJ traçou uma “linha” de cento e vinte metros de comprimento tendo seu ponto de inflexão na entrada do Instituto de Artes e buscou tornar “visível” uma relação simbólica entre o IART, diferentes institutos e o Departamento Cultural.
Fotos e vídeos registraram a linha do desenho sobreposta pela sombra do edifício. O movimento da projeção do sol na fachada determinou um diálogo entre linha e sombra. O movimento “pendular” da sombra foi registrado contraposto à linha do desenho.
Encontramos um lugar perfeitamente adequado à instalação do pêndulo entre as rampas e escadas da UERJ, na principal circulação vertical da universidade, um “quadrado” vazio de aproximadamente três por três metros com quase cinquenta metros de altura. A configuração do espaço permite a observação do plano oscilatório em diferentes ângulos e alturas. O pêndulo promove com seu delicado fio de aço uma costura ou uma conexão sutil entre os doze andares do edifício.
O Professor Doutor José Soares, do Instituto de Física da UERJ, já havia pensado neste espaço com esta finalidade. Desta forma, juntamos forças para a proposição do projeto Experimento: desenho que conta com a colaboração da artista doutoranda Nena Balthar e apresenta aspectos do conhecimento científico em consonância com questões inseridas nos processos artísticos contemporâneos.
Aspectos Físicos sobre o Pêndulo de Foucault
O pêndulo de Foucault tem um valor histórico inestimável já que foi fundamental para demonstrar o movimento de rotação da Terra. Em seu deslocamento no espaço-tempo o planeta Terra realiza dois tipos de movimentos: O movimento de translação, que corresponde ao movimento do planeta em torno do Sol, com duração de um ano e o movimento de rotação, isto é, movimento da Terra em torno do seu eixo de simetria (Norte-Sul), com duração de um dia.
A hipótese de rotação da Terra em torno do seu eixo, enunciada pela primeira vez na Antiguidade, foi uma consequência direta da observação do movimento das estrelas em 24 horas. De fato, esse movimento logo interessou aos astrônomos, que se surpreendiam com a propriedade aparente de que as estrelas tinham de realizar uma rotação completa em torno da Terra em um intervalo de tempo tão curto. Dentre os vários sábios e filósofos gregos deram contribuições para explicar o movimento de rotação da Terra, podemos destacar Heráclides do Ponto, e Aristarco de Samos depois dele, que atribuíram a duração do dia solar ao movimento de rotação de terra. As ideias de Heráclides foram amplamente aceitas pelos astrônomos e, explicavam o movimento diurno das estrelas eliminando hipóteses difícil de aceitação, tais como a rotação acelerada da esfera celeste em torno do globo terrestre. Também permitiu explicar a alternância do dia e da noite.
Entretanto, só na segunda metade do século XIX, com experiência do físico francês Jean Bernard Léon Foucault, ela foi corretamente demonstrada em 1851. O pêndulo de Foucault foi capaz de demonstrar experimentalmente que a Terra gira em torno de si mesma com uma velocidade angular Ω, num período de 23 horas, 56 minutos e 4 segundos. Em seu experimento, Foucault suspendeu um corpo de massa m=28kg em um fio de comprimento l=67m no teto do Panthéon de Paris. Para melhor descrever o experimento, vamos considerar a figura 1 onde orientamos o eixo OX na direção Leste-Oeste, o eixo OY na direção Sul-Norte e o eixo OZ na direção vertical.
A seguir o pêndulo foi deslocado para a posição B de modo que o fio de sustentação faça um ângulo θ com o eixo vertical Z. Depois de posto para oscilar, pode-se estudar o movimento de oscilação resultante no limite de pequenas oscilações, isto é, quando θ é suficientemente pequeno para se admitir que a massa do pêndulo realiza movimento horizontal. Em uma primeira aproximação, pode-se desprezar o movimento de rotação da Terra e, consequentemente, as equações de movimento do pêndulo no plano X0Y são dadas por:
onde
é a frequência de oscilações pêndulo e g é a aceleração da gravidade.
Um exemplo de solução para x e y na equação (1) pode ser obtido supondo que no instante t = 0, o pêndulo passa pela origem O, com velocidade V0. As soluções para x(t) e y(t) na equação (1) serão:
A equação (2) descreve movimento de um pêndulo simples, onde foi desprezado o movimento de rotação da Terra. Entretanto, o fato observado no experimento de Foucault é algo um pouco diferente. Na figura 2 temos uma visão de cima onde observamos o deslocamento do pêndulo no plano x0y e podemos notar que, se o pêndulo é colocado para oscilar na direção Leste-Oeste, ele só continuaria a oscilar entre A e B se a Terra não girasse. Contudo, a aceleração
, chamada de aceleração de Coriolis, devido ao movimento de rotação da Terra, deflete a trajetória do pêndulo continuamente no sentido horário, no hemisfério Norte e no sentido anti-horário no hemisfério Sul.
A figura 2 ilustra o movimento descrito pela massa pendular se abandonada a partir do repouso, no ponto B, num laboratório no hemisfério Sul ele vai atingir o ponto A’ e não ponto A, assim, no fim da primeira oscilação o pêndulo atinge o ponto B’ e não o ponto B. Ao repetir o movimento, ele atinge os pontos A” e B” respectivamente, e não os pontos A’ e B’, repetindo-se novamente o pêndulo alcança os pontos A”‘ e B”‘ e assim por diante. Em outras palavras, o plano de oscilações do pêndulo gira no sentido horário no hemisfério norte e no sentido anti-horário no hemisfério sul. Assim sendo se desprezarmos o atrito viscoso do ar, as equações de movimento do pêndulo de Foucault no plano x0y são dadas por:
Onde λ é a latitude local. Uma solução de particular interesse pode ser obtida supondo que no instante t=0 o pêndulo passa pela origem O, com velocidade Vo. As soluções para x(t) e y(t) na equação (3) serão:
onde
é a frequência de oscilações do pêndulo de Foucault. Com uma rápida olhada na equação (4), pode-se concluir que para Ω recuperamos a solução para o pêndulo simples. O termo
exprime o fato de o pêndulo oscilar com frequência ω0 ligeiramente diferente da frequência do oscilador harmônico simples ω, mas como
é muito pequeno em comparação com ω. A diferença entre ω0 e ω também é muito pequena. Para obter a direção do movimento do pêndulo de Foucault vamos calcular a razão entre x e y, isto é:
Portanto, a direção do movimento do pêndulo vai mudando lentamente na medida em que o tempo passa. Este efeito é prova contundente da existência do movimento de rotação de Terra entorno do seu eixo de simetria (Norte–Sul) e foi verificado experimentalmente por Foucault em 1851. Um parâmetro importante pode ser calculado a partir da equação (5) o tempo τ que o plano de oscilações do pêndulo demora para dar um volta entorno de si mesmo. Este parâmetro pode ser obtido usando a identidade
facilmente pode-se provar que
Para a latitude do Rio de Janeiro, onde
, esse tempo τ é aproximadamente igual a 2,57 dias ou 61 horas e 44 minutos. Isto é, o pêndulo é duas vezes e meia mais lento que o ponteiro das horas de um relógio qualquer.
Entre medidas exatas e observações poéticas, na latitude do Rio de Janeiro, fazendo dialogar experiências e proposições diversas, o Pêndulo de Foucault da UERJ se alinha a outros espalhados pelo mundo em universidades e museus. Eles se movimentam em sentidos contrários, dependendo do hemisfério onde estão situados, mas constituem modelos de um mesmo universo de pensamento científico e artístico.
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O Projeto Pêndulo engloba também a exposição coletiva de arte contemporânea Experimento:Desenho, que será realizada na Galeria Candido Portinari em breve. A Galeria Candido Portinari fica na Rua Francisco Xavier, 524, Campus Maracanã da UERJ, no Rio de Janeiro.
MALU FATORELLI é doutora em Artes Visuais (EBA-UFRJ). É professora adjunta do Instituto de Artes da UERJ. Foi artista visitante na Ruskin School of Drawing and Fine Arts da Universidade de Oxford, Inglaterra e no Headlands Center for the Arts, São Francisco, EUA, entre outros. Sua obra artística figura em coleções públicas como a Pinacoteca do Estado de São Paulo e o Museu Nacional de Belas Artes.
JOSÉ SOARES BARBOSA é doutor em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas-CBPF; foi Vice-Diretor e depois Diretor do Instituto de Física da UERJ. Atualmente é Professor Associado e Chefe do Departamento de Física Nuclear e Altas Energias do IF-UERJ.
Fotografias do Pêndulo: Pedro Urano.
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