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Turismo de drogas na Holanda: o caso de Amsterdam

TURISMO DE DROGAS NA HOLANDA: O CASO DE AMSTERDAM

 Thiago Pereira

 

Os deslocamentos pelo espaço geográfico sempre foram uma realidade na história da humanidade. Mas, em princípio, é somente após o período associado à revolução industrial, com suas significativas mudanças nas formas e jornadas de trabalho, intensa evolução nos meios de transporte e comunicação, e suas conseqüentes alterações no comportamento social, que podemos com propriedade utilizar o termo ‘turismo’, uma das atividades que mais gera divisas no mundo contemporâneo.

De acordo com a Organização Mundial de Turismo – OMT (2001), turismo pode ser definido como “as atividades que as pessoas realizam durante viagens e estadas em lugares diferentes do seu entorno habitual, por um período inferior a um ano, com finalidade de lazer, negócios ou outras”. Dessa forma, diversas são as motivações e naturezas das atividades a serem desenvolvidas pelo turista, possibilitando assim a existência de variados tipos de turismo, onde, ainda segundo a OMT (2001), podemos identificar cinco grandes segmentos: Turismo de Sol e Praia, Ecoturismo, Turismo de Esportes, Turismo Cultural e Turismo de Negócios, Eventos e Incentivo; os quais ainda podem apresentar subcategorias, como o Turismo de Experiência, Turismo Religioso, Turismo Náutico, Turismo Rural, Enoturismo e etc.

Seria possível então falar sobre um ‘Turismo de Drogas’? Onde as drogas em si poderiam apresentar grande papel como motivação para os deslocamentos. Nesse sentido, de maneira geral, o turismo de drogas poderia ser interpretado como as viagens realizadas com o intuito de obter ou utilizar drogas, as quais não estejam disponíveis, ou que sejam ilegais nos locais de origem do turista.

“Turismo de drogas pode também ser definido como o fenômeno pelo qual a própria experiência de viagem envolve o consumo e uso de medicamentos, que são considerados ilegais ou ilegítimos tanto no destino visitado, ou no país do turista de origem. Isso incluiria atravessar uma fronteira nacional para obter medicamentos de balcão que não são vendidos em seu próprio país, ou viajar para outro país, a fim de obter ou usar drogas que são ilegais em seu próprio país, ou até mesmo viajar de uma província / município / estado para outro, a fim de comprar álcool ou tabaco mais facilmente” (URIELY & BELHASSEN, 2005).

De maneira ampla, o turismo pode gerar impactos, tanto positivos, quanto negativos para o país ou região de destino. No que concerne aos benefícios, é capaz de dinamizar as economias locais, melhorar os serviços existentes ou estimular o surgimento de novos, de acordo com a demanda (ex: internet, hospedagem, alimentação, transporte, serviços de saúde e etc.). Mas, associado a essas mudanças, pontos negativos também podem surgir para as populações locais, como a perda de cultura e tradições, o aumento no custo de vida, a remoção de comunidades residentes em áreas com alto potencial e interesse turístico, a permanência da renda gerada apenas nos circuitos superiores da economia (mantendo a situação de pobreza da população) e etc.

Especificamente no âmbito do turismo de drogas, em relação aos aspectos positivos, é possível que ocorra um aumento na geração de divisas e das vagas no mercado de trabalho (em variados setores da economia local), além de uma maior procura por visitantes oriundos de diversas localidades. Como pontos negativos, poderia intensificar a criminalidade (associada ao comércio ilegal de substâncias ilícitas), levar à inserção de novas drogas (que poderiam não existir nas localidades), estimular o incremento no uso dessas substâncias pelos nativos (possibilitando uma maior quantidade de casos de dependência e vício), ocasionar distúrbios e transtornos causados por turistas sob o efeito de drogas e, em alguns casos, até aumentar os índices de prostituição (atividade que, muitas vezes e nem sempre de maneira correta, acaba por ser associada a esse tipo de turismo) [1].

Inúmeros exemplos de turismo de drogas poderiam ser citados, onde alguns dos mais significativos sejam casos como o da região montanhosa do Marrocos (Rif), onde turistas, principalmente europeus, buscam a área produtora de haxixe; o bairro autônomo de Christiania, em Copenhagen (Dinamarca), com seu mercado livre de Cannabis; Nimbim, na Austrália (Cannabis); La Paz, na Bolívia, com seu famoso bar Route 36 (cocaína); Bogotá, na Colômbia (cocaína); Lisboa, em Portugal, por sua política de descriminalização para o uso de drogas; Amazônia, no Brasil (Ayahuasca e Santo Daime); Malana, na Índia, devido a sua famosa produção de haxixe; Peru, pelo cactosalucinógeno conhecido como San Pedro (utilizado em rituais realizados por algumas comunidades tradicionais locais); dentre outros.

Esses deslocamentos, aqui denominados como ‘turismo de drogas’, poderiam, em muitos casos, ser classificados dentro dos segmentos turísticos definidos pela OMT (2001). Como exemplos, seria possível destacar as viagens realizadas pelas chamadas ‘mulas’ (indivíduos que transportam drogas para outros países) no tráfico internacional, que poderiam ser vistas como ‘turismo de negócios’ (ainda que ilegal); a busca pelo uso de Cannabis nos coffee shops holandeses – ‘turismo de experiência’; o uso da Ayahuasca, na Amazônia, também como ‘turismo de experiência’ (no caso específico do Santo Daime – turismo religioso ou turismo cultural); os deslocamentos para participação em conferencias internacionais sobre maconha medicinal e outras drogas – ‘turismo de eventos’ e etc. Mas, é evidente que, em todos esses exemplos, o fator motivador para os deslocamentos continua estando associado à busca por drogas.

Nesse universo, o caso mais conhecido talvez seja o que se refere aos coffee shops holandeses (estabelecimentos onde a venda e o consumo de Cannabis e haxixe são tolerados e regulados). Segundo dados do relatório do Departamento para Pesquisa e Estatística de Amsterdam (2007), dos 4,5 milhões de turistas que passam uma noite na cidade, 26% visitam ao menos um coffee shop e, 10% dos turistas mencionam inclusive que essa é uma das principais razões para visitar a cidade.

O presente artigo se propõe a abordar exatamente o caso holandês, mais especificamente o cenário da cidade de Amsterdam, e foi motivado pela criação de uma Lei (criada em 2012), que restringiria a entrada de turistas nos coffee shops em toda a Holanda a partir de janeiro de 2013, mas que, de fato, acabou vigorando apenas em algumas cidades próximas às fronteiras do país.

Dessa maneira, buscando observar a percepção dos locais, e também dos turistas, quanto à essa mudança na legislação, assim como suas possíveis consequências, realizei dois trabalhos de campo na cidade de Amsterdam, desenvolvendo, portanto, uma pesquisa de cunho qualitativo, através da aplicação de questionários aos proprietários de coffee shops, aos usuários e não usuários locais e aos turistas (usuários e não usuários), onde a primeira etapa ocorreu em outubro de 2012, as vésperas da aplicação da Lei em toda a Holanda, e a segunda em novembro de 2013, após a Lei não ter sido aplicada em Amsterdam.

UM POUCO DA HISTÓRIA DOS COFFEE SHOPS HOLANDESES

No início dos anos 1970, o governo holandês desenvolveu alguns estudos sobre drogas, nos quais o relatório Baan (1972) e o relatório Cohen (1975) acabaram por propor a legalização da Cannabis, entretanto, devido aos tratados internacionais vigentes e às visões dos outros países europeus, nesse momento, o governo considerou ser mais prudente não realizar tal ação. Em 1978, a legislação foi então alterada, passando a diferenciar as drogas leves das drogas pesadas (a ideia era separar o mercado da Cannabis do comércio de outras drogas, como a cocaína e a heroína, além de estimular o desenvolvimento de uma política de redução de danos), com isso, a posse e a venda de pequenas quantidades de maconha e haxixe passaram a ser tratadas de forma mais branda (passaram a ser toleradas, mas não houve processo de legalização), fato que possibilitou o comércio dessas substâncias nos chamados coffee shops.

Vale frisar, que tal postura, desenvolvida pelo governo holandês, foi uma atitude essencialmente pragmática, ou seja, não foi política ou ideologicamente direcionada, e que, apesar de toleradas, a venda e o consumo de drogas leves, e até mesmo os próprios coffee shops, continuam sendo ilegais.

As licenças para esses estabelecimentos foram dadas nas décadas de 1970 e 1980. Atualmente, não é mais possível abrir um novo coffee shop, sendo permitida apenas a transferência de licença de um operador para outro, mesmo assim, em determinados casos, essa ação pode ser proibida pelo governo. Para seu funcionamento, tais cafés devem seguir as seguintes regras gerais: são impedidos de fazer qualquer tipo de propaganda; têm a quantidade de transações limitada (apenas cinco gramas por consumidor, e não devem ter mais do que 500g em seu estoque); os clientes não podem gerar distúrbios no entorno; o horário de funcionamento é das 8h à 1h; não é permitido o comércio de bebidas alcoólicas, nem de drogas pesadas e; a venda só pode ser realizada para maiores de 18 anos. Há também uma restrição quanto à localização desses estabelecimentos, onde os mesmos devem estar a uma distância mínima de 250 metros das escolas existentes, fator que ocasionou o fechamento de diversos coffee shops nos últimos anos – o número total reduziu de aproximadamente 850 em 1999 para 651 em 2011 (BIELEMAN et al., 2012). O descumprimento dessas regras é passível de severas penalidades, e a fiscalização é intensa. É importante destacar que, o consumo de maconha em áreas públicas não é permitido, mas, muitas vezes é tolerado em certas localidades, como em alguns dos diversos parques de Amsterdam, por exemplo.

Mesmo com a política de tolerância ao uso e a venda de Cannabis, as taxas de usuários na Holanda são equivalentes, ou até mais baixas do que as encontradas nos outros países europeus (os quais não possuem coffee shops), além de serem significativamente mais baixas do que os números relativos aos Estados Unidos da América (onde diversos estados vêm legalizando o uso medicinal e/ou recreativo – especialmente ao longo dos anos de 2013 e 2014 – como no estados de Colorado, Washington, Califórnia e, até mesmo na capital do país, Washington D.C.) (MACCOUN, 2011).

Segundo informações obtidas a partir das entrevistas realizadas com os proprietários de coffee shops (em 2012), a maior parte do haxixe vendido é importada do Marrocos e do Paquistão, mas, no que concerne à Cannabis, temos também o cultivo local da maconha conhecida como Nederwiet de forma expressiva e cada vez mais popular (o qual, segundo a política de drogas holandesa, continua sendo ilegal). Nesse contexto, notamos então um paradoxo: o consumo, o porte e o comércio de pequenas quantidades de maconha e haxixe são tolerados, mas não há regulação sobre a produção ou entrada da droga, atividades que continuam sendo consideradas como crime.

O coffee shop Sarasani, na cidade de Utrecht, foi o primeiro do país a ser autorizado a vender maconha. Já no caso de Amsterdam, em 1975, no Red Light District, foi fundado o Bulldog coffee shop, considerado por muitos como primeiro e mais famoso coffee shop da cidade (Fig. 1) e, que acabou por transformar-se em uma grande rede (uma marca) com bar, hotel e diversas outras unidades espalhadas pela cidade, sendo inclusive citado nos roteiros de muitos guias turísticos. Anualmente, seus coffee shops recebem um grande número de turistas, principalmente os que não são especificamente ‘turistas de drogas’, e que desejam apenas viver uma experiência– no geral, proibida em seus países de origem – matando assim a curiosidade sobre esses tais locais, onde pode-se olhar o cardápio (Figs. 2 e 3), comprar e fumar maconha, sem qualquer punição legal.

Bulldog Coffee Shop localizado no Red Light District, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Contudo, muitos dos usuários ‘mais experientes’ (entrevistados nessa pesquisa) apresentaram inúmeras críticas sobre esse coffee shop em questão, tanto em relação aos seus preços, quanto à qualidade da Cannabis vendida, além de reclamarem do fato do mesmo estar sempre lotado. Com isso, acabavam optando por frequentar outros coffee shops, no geral também próximos a área central mais turística, mas não tão famosos, como o GreenHouse, o Dampkrins, o 4:20, o Green Place, o Route 66, o The Other Side, o Kadinsky, o Abraxas, o Rokerij, o Baba coffee shop, o Amnesia, o Mellow Yellow, dentre outros.

Cardápio de variedades de maconha e Haxixe do Bulldog Coffee Shop, Amsterdam, Holanda (Fonte: http://depassagemblog.wordpress.com/2012/11/16/maconha-na-holanda-ate-quando/)

Cardápio de variedades de maconha e haxixe do Baba Coffee Shop, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Houve também um número mais reduzido dos visitantes entrevistados que apresentou o desejo de conhecer mais profundamente a dinâmica local e, para isso, buscavam coffee shops que fossem frequentados preferencialmente por holandeses (na maioria dos casos, localizados em áreas mais afastadas e menos visitadas, distantes do entorno da Dam Square e do Red Light District), fugindo assim dos estabelecimentos repletos de turistas. Afirmaram também que, em princípio, a qualidade da maconha e do haxixe seria muito melhor nesses coffee shops menos conhecidos, como no Kashmir Coffee Shop, renomado por sua qualidade e variedade de haxixes oferecidos, na Jan Pieter Heijestraat, próximo ao Vondel Park, (onde se pode comprar e fumar); e o Kashmir Lounge, do outro lado da rua (onde se pode fumar e consumir bebidas alcoólicas, mas não comprar) (Fig. 4). Por serem frequentados majoritariamente por consumidores locais (recorrentes), haveria a necessidade desses estabelecimentos de manter um alto padrão de qualidade dos produtos oferecidos (visando garantir a clientela e evitar reclamações), fato que não ocorreria nos coffee shops mais famosos e turísticos, onde, no geral, os consumidores (em grande parte, leigos) consumiriam no máximo uma ou duas vezes durante a permanência na cidade e, então retornariam aos seus países de origem.

Kashmir Lounge, Jan Pieter Heijestraat, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2012)

Segundo dados da EMCDDA (2008), existem aproximadamente 700 coffee shops em toda a Holanda, os quais absorvem cerca de 3.400 empregados, faturando entre 211 e 283 milhões de euros anualmente, com cada estabelecimento vendendo entre 208 e 308 mil euros. É importante lembrar que, caso não existisse a política de tolerância nesse país, todo esse montante financeiro circularia apenas no mercado ilegal, não possibilitando assim, nem a arrecadação do Estado por meio de impostos, nem o controle, que esse acaba por exercer em relação às quantidades e às qualidades dos produtos vendidos.

Além dos coffee shops (onde é possível comprar uma enorme variedade de maconha e haxixe), em Amsterdam, os turistas (e residentes) também podem encontrar outros dois tipos de drugstores (ou drugshops): as Seed Shops, as quais vendem apenas sementes, livros e artefatos para o cultivo de Cannabis (ex: Sensi Seeds, Barneys Farm e GreenHouse) (Fig. 5) e as Smarts Shops, que comercializam ‘cogumelos mágicos’ (sendo a mais famosa a Magic Mushrooms) (Fig. 6).

ALGUMAS INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE O TURISMO DE DROGAS NA HOLANDA

De acordo com estatísticas oficiais, ao longo de 2011, a indústria do turismo na Holanda gerou 37,3 bilhões de euros, empregando 412.000 trabalhadores nesse setor, o que correspondeu a 4,5% do total das vagas no mercado de trabalho do país. Nos últimos anos, apesar de uma pequena redução associada à crise econômica mundial, podemos dizer que a situação permaneceu bem estável se comparada aos números de 2011 (WTTC, 2013 apud Tourism industry sub-sectors – Country Report the Netherland, 2014).

No que se refere ao número de brasileiros que vistam a Holanda, entre os cerca de 12 milhões de turistas internacionais que desembarcaram nesse país, no ano de 2013, aproximadamente 115 mil eram provenientes do Brasil. Em relação a 2014, estima-se que no total, a Holanda receberá 13 milhões de visitantes, onde 122 mil (0,9%) serão brasileiros [2].

Smart Shops, venda de cogumelos mágicos, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Smart Shops, venda de cogumelos mágicos, Amsterdam, Holanda (fonte: Thiago Pereira, 2013)

Smart Shops, venda de cogumelos mágicos, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Com base nos dados apresentados pelo Netherlands Board of Tourism and Convention (NBTC), no ano de 2009, dentre as diversas opções de atividades para serem realizadas na Holanda, do número total de turistas que desembarcaram no país, 16% visitaram os coffee shops ou as smart shops (Tabela 1) (Tourism industry sub-sectors – Country Report the Netherland, 2014). Já na tabela 2, é possível verificar a origem e a quantidade de turistas que visitaram coffee shops no ano de 2010.

Nesse sentido, o turismo ‘da maconha’ é evidente e pode ser comprovado por diversos fatores, como a existência de guias turísticos especializados no tema (como o Smokers Guide – GUIA dos coffee shops, facilmente encontrado em lojas de souvenirs, ou nos próprios coffee shops), assim como pelo fato de quase a totalidade dos guias turísticos tradicionais citarem esses estabelecimentos (mesmo que de maneira superficial). Existe inclusive a oferta de um coffee shop tour, no qual se apresenta a história dos coffee shops de Amsterdam, levando os visitantes aos principais coffee shops da cidade.

Tabela 1: Principais atividades realizadas por turistas na Holanda em 2009.

Activities undertaken by inbound leisure travellers in the Netherlands 2009 %
Hiking 61%
Visit historic sites, places of interest 59%
Visit bar/café 59%
Shopping 55%
Fine dining 49%
Visit museum 47%
Visit beach for walking 39%
Canal cruise 35%
Visit area of scenic beauty, forest 31%
Red light district Amsterdam 29%
Biking 29%
Visit beach for sunbathing 19%
Clubbing 17%
Visit coffee shop/smart shop 16%
Visit family/friends 13%
Visit Zaansche Schans/Volendam/Marken 13%

Fonte : NBTC, Leisure and Tourism economy, Key Figures 2012, 2013 apud Tourism industry sub-sectors Country Report the Netherland, 2014.

 

Tabela 2: Origem e a quantidade de turistas que visitaram os coffee shops holandeses no ano de 2010.

Tabela-2Podemos destacar ainda o Hash, Marihuana & Hemp Museum e a Hemp Gallery, localizados em dois prédios anexos, no Red Light District. Ambos se propõem a apresentar a história e os diversos usos da Cannabis e do haxixe de maneira didática e muito bem estruturada, possuindo inclusive uma estufa com cultivo indoor, para que, dessa forma, os turistas possam conhecer de perto reais exemplares de pés de maconha (Fig.9). Tomando os diversos segmentos turísticos abordados anteriormente, esse seria um caso, onde o turismo de drogas poderia ser associado, ou até mesmo classificado como ‘turismo cultural’.

Na Cannabis College, também no Red Light District (a apenas alguns metros de distância do museu) (Fig.10), são oferecidos diversos cursos específicos sobre essa temática (com direito a certificação), assim como informações gerais sobre os diferentes tipos de usos e cultivos da Cannabis. Nesse sentido, acaba por ser um agradável e aconchegante espaço para discussão e trocas de experiências, onde é permitido fumar a erva (também possuem uma estufa ilustrativa). Por atrair turistas com o objetivo de obter conhecimento, frequentando aulas e cursos regulares durante um determinado período, também seria possível definir essa situação como ‘turismo de estudos e intercâmbio’.

Hash Marihuana & Hemp Museum, Red Light District, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2012)

Hash Marihuana & Hemp Museum, Red Light District, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2012)

Estufa Ilustrativa de “pés de canabis” (cultivo “indoor”) no Hash, Marihuana & Hemp Museum, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Estufa Ilustrativa de “pés de canabis” (cultivo “indoor”) no Hash, Marihuana & Hemp Museum, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Estufa Ilustrativa de “pés de canabis” (cultivo “indoor”) no Hash, Marihuana & Hemp Museum, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

Estufa Ilustrativa de “pés de canabis” (cultivo “indoor”) no Hash, Marihuana & Hemp Museum, Amsterdam, Holanda (foto: Thiago Pereira, 2013)

A Cannabis Cup (Fig. 11), também apresenta importante papel no turismo ‘da maconha’ em Amsterdam. O evento, que é promovido pela célebre revista High Times (especializada no tema), acontece anualmente no mês de novembro (com duração de cinco dias), quando então ocorre a premiação dos melhores produtores da erva; inúmeras palestras sobre cultivo, usos recreativo e medicinal e políticas públicas em relação à Cannabis; além de atividades artísticas e culturais. A publicidade realizada para sua divulgação é intensa, existindo inclusive, inúmeras agências que ofertam pacotes de viagem, nos quais estão incluídos passagens aéreas, hotéis e programas turísticos associados ao evento. Com o pagamento de uma taxa de inscrição (em torno de 250 dólares), qualquer indivíduo, de qualquer lugar do mundo, pode tornar-se jurado na competição que elege a melhor maconha, o que, na prática, significa experimentar todas as variedades concorrentes. Por ser considerada como um dos maiores eventos mundiais associados ao tema, a Cannabis Cup de Amsterdam, atrai turistas do mundo inteiro, os quais se deslocam para a cidade tendo como principal motivação a vontade de participar dessa ‘copa da maconha’. Por ser um evento, mesmo que a temática esteja associada à um tipo de droga, poderíamos também considerar esse caso no âmbito do segmento de ‘turismo de negócios e eventos’.

Evento “Cannabis Cup”, Amsterdam, Holanda

Evento “Cannabis Cup”, Amsterdam, Holanda

BENEFÍCIOS E PROBLEMAS DO TURISMO DE DROGAS NA HOLANDA

O turismo de drogas na Holanda, especialmente em Amsterdam, é uma realidade e, sem dúvidas, possibilita o surgimento de diversos benefícios. Esses turistas específicos, que apresentam como principal fator motivador a busca pela droga, assim como a vontade de conhecer uma cultura pragmática e tolerante em relação ao comércio e ao uso das mesmas (especialmente da Cannabis), não consomem apenas os produtos oferecidos nos coffee shops, ou seja, não gastam o dinheiro apenas comprando maconha, haxixe ou cogumelos mágicos. Observando a questão de maneira mais ampla, ao visitarem Amsterdam (ou outra localidade), ficam hospedados nos hotéis e albergues espalhados pela cidade, alimentam-se nos restaurantes e cafés, sentam e bebem nos bares, frequentam as boates e casas noturnas, por vezes buscam a prostituição (legalizada), vistam museus, alugam bicicletas, realizam passeios e tours pelos canais, vão às farmácias, fazem compras nas variadas lojas de souvenires ou butiques de diversas marcas, utilizam o sistema de transporte público, conhecem as áreas de produção de tulipas, viajam para outras cidades do país e etc. Portanto, acabam utilizando e estimulando o desenvolvimento dos inúmeros serviços existentes, contribuindo para a geração de empregos e dinamizando e incrementando a economia local e nacional.

Além disso, ao retornarem aos seus países de origem, também contribuem para o turismo na Holanda contando suas histórias e experiências, as quais podem funcionar como uma forma muito eficiente de propaganda, despertando o interesse em um grande número de potenciais novos visitantes dos mais variados perfis e que, não necessariamente, serão turistas de drogas.

Por outro lado, é fundamental refletir sobre os possíveis malefícios e pontos negativos, que também podem ser originados a partir desse tipo de turismo. Algumas das críticas apresentadas pelos cidadãos holandeses, incomodados com o turismo de drogas, estão associadas aos distúrbios e algazarras realizadas por turistas (sob efeito de drogas) no entorno dos coffee shops, ou em áreas públicas de maneira geral; ao fato de muitos dos turistas usarem a droga fora dos locais permitidos; ao odor emitido com a queima dos cigarros de maconha e; também à percepção e postura de alguns visitantes, os quais parecem acreditar que podem fazer tudo o que quiserem (já que a prostituição e o uso de drogas leves são aceitos), mas que não se comportam da mesma maneira em seus países de origem.

Outro ponto relevante, que, de certa forma, poderia ser interpretado como uma questão diplomática no âmbito das relações internacionais, consiste nas divergências notadas na relação entre a Holanda e seus países vizinhos (e, de maneira mais ampla, com a própria União Européia), onde o comércio e o uso de drogas leves são criminalizados.

Nesse contexto, muitos cidadãos de diversos países europeus atravessam a fronteira holandesa com o intuito de comprar e usar a Cannabis, realizando assim o turismo de drogas. Mas, a real questão emerge quando muitos desses turistas decidem transportar a maconha no retorno, para assim comercializarem a erva em seus países de origem (onde ela é ilegal). A proximidade geográfica entre os países europeus e a facilidade para atravessar as suas fronteiras, devido aos acordos estipulados pela União Européia, tornam o problema ainda maior e mais recorrente, intensificando a pressão para que a Holanda mude sua política de tolerância, ou apresente soluções, que dificultem ou inibam essa prática.

Dessa forma, o governo holandês se esforça para conciliar a suas questões econômicas com as relações internacionais, pois ao mesmo tempo em que tem o lucro proveniente do um milhão e meio de turistas que freqüentam os coffee shops, recebe grande pressão dos países com os quais faz fronteira (como, por exemplo, Alemanha e Bélgica), que demandam maior controle e rigor na venda da maconha.

UM SUSTO NO TURISMO DE DROGAS NA HOLANDA: TURISTAS, COFFEE SHOPS, LEIS, PROIBIÇÕES E PROBLEMAS

Podemos notar a existência de quatro partidos políticos expressivos na Holanda, onde os Sociais Democratas do PvdA (Partido do Trabalho) e o Movimento de Esquerda Liberal D66 defendem a legalização da maconha, enquanto os Cristãos Democratas CDA e o Movimento de Direita Liberal VVD buscam endurecer a política de tolerância, tornado-a mais rigorosa, sendo esse um importante debate na política interna desse país.

As visões negativas e as críticas em relação ao turismo de drogas, defendidas por uma parcela dos cidadãos holandeses conservadores, associadas às pressões exercidas por outros países europeus, ajudaram a fortificar a coalizão governamental dos dois partidos contrários a legalização. Dessa forma, os conservadores conseguiram aprovar uma Lei mais restritiva, a qual, em maio de 2012, entrou em vigor em três províncias do sul do país (Barbante, Limburgo e Zeelândia), impedindo assim a entrada, a compra e o consumo de maconha por turistas nos coffee shops holandeses, o que seria permitido apenas aos cidadãos e residentes legais. Em princípio, a nova Lei deveria passar a ser aplicada em toda a Holanda a partir de primeiro de janeiro de 2013, o que levaria, portanto, ao fim do turismo ‘da maconha’ em todo o país.

Na prática, essa Lei transforma os coffee shops em uma espécie de clube privado, que podem ter no máximo 2000 sócios (maiores de 18 anos), os quais devem comprovar que são holandeses ou residentes legais no país. Cada indivíduo pode filiar-se à apenas um único coffee shop de sua escolha e não é permita sua entrada nos outros estabelecimentos existentes, sendo a adesão de cada membro reavaliada anualmente. Há também a exigência da apresentação de um passe (como uma carteirinha ou registro de sócio, que ficou conhecido como weed pass ou weitpas), que deve ser feita tanto na entrada, quanto na saída do estabelecimento, possibilitando assim o registro do número de vezes que o usuário frequentou o coffee shop.

Ao iniciar a pesquisa, com o primeiro trabalho de campo em Amsterdam, em outubro de 2012 (pouco antes do período previsto para que a Lei fosse aplicada em toda a Holanda), minha hipótese era a de que os turistas em geral (até mesmo os que não são usuários de maconha), apresentariam, majoritariamente, uma posição negativa em relação a essa mudança.

Quanto aos usuários locais, acreditava que haveria duas visões principais recorrentes: ou não se importariam, pois não seriam afetados de maneira direta, ou seriam contra, pois isso, de certa forma, impediria o contato e a troca com pessoas de diferentes países, com diferentes visões e culturas. Em relação aos habitantes não usuários, também esperava a identificação de dois grupos mais expressivos, os que seriam indiferentes, e os que seriam a favor da mudança, pois ela poderia acabar com o turismo de drogas e, consequentemente, com os problemas causados pelos visitantes (já citados anteriormente).

Por fim, com as entrevistas realizadas com os proprietários de coffee shops, imaginei que, no caso daqueles mais famosos ou mais próximos às principais áreas turísticas da cidade, seria enfaticamente apresentado um discurso contra a Lei, pois, por serem frequentados essencialmente por turistas, teriam um enorme prejuízo econômico, mas que, ao me distanciar dos pontos mais visitado, me afastando da região da Dam Square e do Red Light District (área famosa por concentrar bares, pubs, coffee shops, mas que é visitada, principalmente, por seus prostíbulos com portas e janelas de vidro, como vitrines), as respostas mostrariam indiferença, ou até mesmo uma posição favorável em relação à nova Lei, pois esses coffee shops, na maioria dos casos, são freqüentados por residentes locais e, portanto, não sofreriam quase nenhum prejuízo econômico com a mudança.

No que concerne às posições de políticos e autoridades holandesas, em ambos os trabalhos de campo (2012 e 2013), apesar das diversas tentativas e solicitações de contato para realização de entrevistas, as mesmas acabaram não ocorrendo. Sendo assim, os dados apresentados relativos às posições e discursos oficiais de representantes de entidades públicas e governamentais são baseados em informações obtidas por meio de pesquisas na internet, em periódicos, nos dados estatísticos fornecidos pelo governo e em artigos científicos.

PERCEPÇÕES DE UMA PESQUISA EMPÍRICA, PARTICIPATIVA E FENOMENOLÓGICA

Após a realização dos questionários, alguns pontos merecem ser destacados. Vale lembrar, que as observações e visões aqui expostas não são nada mais do que a percepção empírica do pesquisador com base em uma postura de pesquisa de cunho qualitativo, contendo assim um alto grau de subjetividade.

A eminência da proibição da presença de turistas nos coffee shops gerou uma perspectiva nebulosa para as economias das principais cidades que toleram a existência desses estabelecimentos, especialmente nas que estão localizadas próximas as fronteiras do país, pois é nelas que a pressão por mudanças, oriunda dos países vizinhos, é mais forte. A maior preocupação dos prefeitos dessas cidades fronteiriças residia na possibilidade real de queda na arrecadação anual, o que influenciaria negativamente, e de maneira direta, nas economias locais, nas ofertas dos diversos serviços (não apenas dos coffee shops), assim como na redução de vagas no mercado de trabalho. No caso das grandes cidades, além desses efeitos em escala local, a questão também pode afetar profundamente o Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Os prefeitos das quatro maiores cidades da Holanda (Amsterdam, Rotterdam, Haia e Utrecht), onde está localizada a maioria dos coffee shops, apresentaram posições contrárias a obrigatoriedade de aplicação da Lei, especialmente o de Amsterdam, localidade que possui um terço dos estabelecimentos do país, os quais geram inúmeros empregos, significativa atividade econômica (principalmente pelo dinheiro gasto por turistas) e, em princípio, apenas pequenos e poucos problemas. Sendo assim, apesar de entenderem que a política do governo central deveria ser para o país inteiro, alegaram que o caso de Amsterdam (e das outras três grandes cidades) era muito específico, principalmente pelo grande número de turistas que a visitam, o qual é muito superior aos números de outras áreas do país.

Cerca de sete milhões de turistas visitam essa cidade anualmente, dos quais aproximadamente um milhão e meio frequenta ao menos um coffee shops. Em outubro de 2012, em uma entrevista ao jornal Volkskrant, o prefeito de Amsterdam, Eberhard Van der Laan, afirmou que a Lei seria aplicada, mas que isso deveria ser feito em acordo com os municípios afetados, os quais deveriam ter autonomia para acatá-la ou não [3].

Outro argumento contra a Lei residia na possibilidade de perda de controle sobre a quantidade e qualidade da droga, sobre a idade dos consumidores, assim como sobre a localização e concentração dos pontos de venda e consumo. A droga continuaria sendo vendida ilegalmente no mercado ilegal nas ruas, o que poderia levar ao aumento da criminalidade e dos distúrbios causados pelos usuários, que não estariam mais restritos ao entorno dos coffee shops, mas sim espalhados por diversas áreas das cidades, gerando, dessa forma, um problema ainda maior do que o associado ao próprio turismo de drogas.

Em uma recente pesquisa desenvolvida com os juízes e promotores holandeses, verificou-se que, 63,9% alegaram não interpretavam a exigência de comprovação de residência legal no país, para o acesso aos coffee shops, como uma forma eficiente de reduzir ou suprimir a desordem pública no entorno desses estabelecimentos, visão que foi embasada por inúmeros relatos de aumento da desordem e da criminalidade pelo comércio ilegal nas ruas de municípios do sul, os quais adotaram essa forma de restrição (LENSINK, et al., 2013; Apud ROLLES, 2014).

Como exemplo concreto dessas conseqüências, podemos citar o caso da cidade de Maastricht, localizada próxima às fronteiras com a Bélgica e Alemanha, onde tanto a proibição dos turistas, quanto o weed pass foram aplicados. Mesmo com todos esses fatos negativos provenientes da adoção de uma postura menos tolerante, a repressão e a fiscalização continuam intensas, indicando que o governo local não pretende voltar atrás.

Os resultados das entrevistas desenvolvidas em outubro de 2012, no geral, corroboraram as hipóteses apresentadas. No que se refere aos 130 turistas entrevistados (62% usuários e 38% não usuários), 83% apresentaram uma postura negativa em relação à mudança na Lei, onde a principal crítica baseava-se na perda da possibilidade de realizar, ou ter uma experiência, a qual seria impossível em seus países de origem, ou seja, afirmaram que os coffee shops tinham grande papel no imaginário que desenvolviam em relação à Amsterdam (mesmo que não os frequentassem) e, que a nova Lei acabaria, de certa forma, com uma espécie de ‘mística’, ou ‘encanto’ em relação à cidade; 14% apresentaram um discurso favorável em relação à Lei, alegando, na maioria dos casos, que nenhuma droga deveria ser tolerada, consumida, ou comercializada em nenhum lugar do mundo – esse grupo sustentava, de maneira evidente, um apoio à política de guerra às drogas; 3% foram indiferentes quanto à questão. Vale destacar que, dentre os turistas entrevistados, 79% já haviam visitado um coffee shop, ou apresentavam o interesse de conhecer esses estabelecimentos no período em que visitavam a cidade.

Quanto aos 130 residentes entrevistados, 38% afirmaram serem usuários freqüentes, 13% usuários esporádicos e 49% não utilizavam a droga. A postura defendida foi amplamente negativa em relação à nova lei (89%), ou seja, mesmo os não usuários, no geral, eram contra a sua aplicação na cidade de Amsterdam, onde o principal motivo consistia nas possíveis perdas econômicas em diversos setores econômicos, principalmente no de serviços. Apenas 08% foram favoráveis à Lei e 03% foram indiferentes.

Um ponto que merece ser destacado, e que não havia sido pensado nas hipóteses iniciais, foi uma forte crítica quanto a um movimento de interesse crescente, por parte da ala conservadora do Estado, em possuir maior controle sobre os seus cidadãos. Muitos dos usuários entrevistados apresentaram grande receio quanto à política de registros nos coffee shops (Weed Pass). Um dos motivos seria um possível estereótipo negativo, que poderia ser gerado ao serem classificados como usuários de maconha. Mas, a principal crítica esteve na duvida em relação ao uso que o Estado poderia fazer com as informações sobre quem utiliza os coffee shops (e também sobre a intensidade da freqüência), fato que talvez causasse inúmeros problemas aos consumidores, tanto em suas vidas pessoais, quanto profissionais.

Mesmo aqueles que alegaram não serem usuários, compartilharam dessa visão, e interpretaram essa busca por um maior controle em relação aos hábitos dos cidadãos como uma real tentativa do Estado de interferir nas práticas sociais dos indivíduos, o que seria um grande retrocesso para o país como um todo. Um dos entrevistados levantou a seguinte questão: “Assim iniciará o controle sobre um segmento da sociedade (os usuários de Cannabis), mas o que virá depois?” Tinha medo que seu país, que historicamente tem uma postura cultural calcada no respeito pelas liberdades individuais, viesse a se transformar em algo parecido com os mundos expostos por George Orwell em 1984 ou por Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo.

No que tange os resultados associados aos proprietários dos 32 coffee shops onde os questionários foram aplicados, apenas dois apresentaram postura favorável à mudança na Lei e nenhum foi indiferente. Contudo, a localização geográfica desses estabelecimentos teve forte influência na ênfase dos discurso apresentados, assim como em seus conteúdos. Ou seja, os proprietários de coffee shops situados próximos às áreas notoriamente turísticas foram incisivos ao defenderem que a Lei não deveria ser aplicada em Amsterdam; com um maior distanciamento dessas áreas, o discurso foi mais suave e, por vezes, quase refletiu certa indiferença; por fim, os únicos dois casos favoráveis à restrição estavam em áreas com maior distância em relação ao centro (Dam Square), onde esses proprietários afirmaram que quase não recebiam turistas, sendo um deles inclusive contra a presença de não residentes em seu estabelecimento.

Dessa forma, ficou evidente que as hipóteses iniciais foram, de maneira geral, corroboradas. Mas, o fato mais interessante foi a possibilidade de identificação de uma questão muito mais ampla do que a presença ou não de turistas nos coffee shops, ou seja, o real receio em relação ao interesse, que se intensifica por parte do Estado, em obter maior controle sobre as práticas e posturas desenvolvidas pela população.

MAS O QUE DE FATO ACONTECEU?

O Weed Pass (em holandês, Wietpas, ou ‘passe da maconha’, em português) deveria ter entrado em vigor em âmbito nacional no ano de 2013, mas o que ocorreu foi que, basicamente, essa postura foi rejeitada e abandonada pela nova coalizão, que passou a compor o governo em outubro de 2012. Com isso, os municípios continuaram mantendo o controle local sobre suas políticas em relação aos coffee shops, onde alguns optam por não permitir a existência dos mesmos e outros adotaram a lei (restringindo o acesso apenas aos holandeses e residentes legais), existindo ainda aqueles que continuaram aceitando a presença de turistas (como no caso de Amsterdam).

A partir das entrevistas desenvolvidas em novembro de 2013, ficou evidente que a possibilidade de mudança na Lei em todo o país acabou por gerar uma espécie de boom turístico em 2012 (momento prévio a teórica aplicação nacional da nova Lei). Diversos entrevistados alegaram que já tinham planos de visitar o país, mas que a notícia da proibição de visitantes nos coffee shops fez com que os mesmos antecipassem suas viagens; queriam viver a experiência e não apenas escutar as histórias e relatos de outros turistas, que tiveram a possibilidade de comprar e fumar maconha em um coffee shop, ou seja, desejavam poder também desenvolver suas próprias percepções e contar suas próprias histórias. Nesse sentido, toda a mídia e divulgação associada a essa questão beneficiou em muito a economia de Amsterdam. Já no ano de 2013, as informações obtidas ilustraram que as taxas de visitação a esses estabelecimentos voltaram a apresentar números próximos aos encontrados antes de 2012.

Sendo assim, o turismo de drogas na Holanda continua sendo uma realidade, apresentando tanto benefícios (principalmente econômicos), quanto malefícios (já discutidos anteriormente). O receio quanto ao interesse da ala conservadora do governo central em obter maior controle sobre a sociedade permanece, mas a manutenção da autonomia decisória dos governos locais contribuiu para o desenvolvimento de uma percepção na qual as liberdades individuais ainda são respeitadas nesse país.

A intensificação das discussões e debates associados aos usos medicinal e/ou recreativo da Cannabis, assim como de seus derivados, que hoje ocorrenos Estados Unidos da América, evidencia um forte movimento de mudança de percepção em relação a essa planta, mesmo que, no geral, esse processo não seja estimulado por questões ideológicas, e sim por razões e interesses essencialmente econômicos. Devido à autonomia de seus estados federativos quanto às suas questões legislativas locais, alguns estados norte–americanos conseguiram realizar grandes avanços nessa temática, possibilitando inclusive que o comércio e o uso recreativo se tornassem legais em alguns deles, ainda que as políticas nacional e internacional defendida pelo governo central desse país permaneçam como a de guerra às drogas.

Também no ano de 2014, o Uruguai tornou-se o primeiro país no mundo a efetivamente legalizar o comércio, a posse, o cultivo e o uso de Cannabis. Nesse contexto, vale ressaltar que a postura oficial atual do governo do presidente José Mujica defende que a iniciativa de legalizar a produção e a venda de maconha foi realizada no intuito de lidar com os problemas internos do narcotráfico, e que não será permitida a venda para não residentes, portanto, não será aceito um turismo consumidor. Mesmo assim, essa situação permite o surgimento de inúmeras hipóteses e questionamentos sobre o futuro desse país, como: poderíamos pensar no surgimento de um turismo de drogas nessa localidade? Caso isso ocorra, o Uruguai poderia tornar-se um importante destino turístico de usuários de Cannabis na América Latina? Quais os benefícios e malefícios que poderiam ser gerados?

De qualquer forma, esse é um fato que apresenta importância fundamental nos rumos sobre a questão relativa à política de drogas em âmbito global, pois será a primeira experiência concreta no sentido de mudar a postura em relação ao uso de drogas e, caso os pontos positivos dessa ação tornem-se evidentes, talvez outros países venham a seguir o mesmo caminho.

Esse é um tema ainda pouco discutido e apenas superficialmente trabalhado, mas que é uma realidade evidente em diversas partes do mundo. Sendo assim, torna-se essencial um tratamento mais aprofundado e livre de preconceitos sobre as transformações que ocorrem no mundo contemporâneo quanto à visão em relação às drogas, onde mudanças de perspectiva em escala local podem gerar enormes impactos na política global de guerra às drogas, afinal, nunca na história houve uma sociedade sem drogas.

[1] www.alcoholrehab.com, 2014. Drug Tourism In: http://alcoholrehab.com/drug-addiction/drug-tourism/(Acessado em 15 de julho de 2014).

[2] www.hosteltur.com.br, 2014. Mais de 100 Mil Turistas Brasileiros Visitaram a Holanda em 2013. In: http://www.hosteltur.com.br/114670_mais-100-mil-turistas-brasileiros-visitaram-holanda-em-2013.html (Acessado em 13 de julho de 2014).

[3]www1.folha.uol.com.br/turismo, 2012. Turistas Terão Acesso aos Coffee shops de Amsterdã Diz Prefeito da Cidade. In: http://www1.folha.uol.com.br/turismo/1179057-turistas-terao-acesso-aos-coffee-shops-de-amsterda-diz-prefeito-da-cidade.shtml (Acessado em 20 de julho de 2014).

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THIAGO PEREIRA é doutor em geografia pelo programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente é professor adjunto na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Departamento de Turismo – IGEOG), pesquisador do Núcleo de Ecologia de Solos Aplicada à Geografia (UFRJ) e professor efetivo do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ – CANP). Tem experiência na área de Geociências e Ciências Humanas, atuando principalmente nos seguintes temas: turismo da droga, conflitos de interesse e uso público nos unidades de conservação, ecologia da paisagem, fragmentação florestal, indicadores funcionais globais e estoque de matéria orgânica de superfície.

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