01 | Dossiê

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Tempo

O Gabinete – instalação, II Bienal do Mercosul em Porto Alegre, Lucia Koch, 1999.

 

O relógio de areia e o relógio de sol coincidem em um ponto básico: longe de representar o tempo, encarregam-se de apresentá-lo: fazê-lo tangível. O primeiro através da queda/acumulação, o segundo através do transcurso de uma sombra. Esta tarefa, fazer do tempo uma entidade tangível, não resulta fácil em nossas cidades. Metrópoles nas quais os rios ficaram silenciosos, tal como costumam fazê-lo os pântanos, e delatam, para além de qualquer outra coisa, um problema do tempo, um tempo que virou abstrato: alheio aos dias, à história e à água: a água que vemos – e fingimos não ver – está detida, e a água que corre, realiza seu caminho escondida para sair de repente por uma torneira que, embutida na parede, esconde sua trajetória.

Sobre um relógio de areia e sobre um relógio de sol tratará o presente texto. O relógio de areia gigante, e por gigante inútil –  não é possível virá-lo –, é de María Elvira Escallón, artista colombiana, e foi realizado em 2008; o relógio de sol é de Lucia Koch, artista brasileira, feito já não de sombra mas de luz colorida, e foi realizado em 1999. Ambos os trabalhos – construídos para lugares específicos – foram determinados por seus próprios espaços, assim, foi o lugar o encarregado de reger o como, de dar as especificações do funcionamento da obra e, com isto, seu sentido. Porque, ambas as peças, ao serem relógios naturais, relógios de verdade, se baseiam em uma questão de limites, de dentro/fora, de acima/abaixo, em suma, de limites que serão perfurados, abertos, quebrados ou, ao contrário, se farão visíveis, evidentes, para deixar passar um tempo real. Para convidar o tempo a ser espaço, a ser peso, a ser transcurso, porque o tempo não existe sozinho, o tempo somente existe quando uma coisa se movimenta.

Gabinete de Lucia Koch foi uma instalação realizada para a II Bienal do Mercosul em Porto Alegre, Brasil, que costuma acontecer na antiga zona portuária da cidade, à beira do rio Guaíba. O lugar da obra – destruído por um incêndio em 2000 – era, especificamente, um galpão em madeira tão amplo quanto simples e, em cuja estrutura, Koch não efetuou grandes modificações.

A planta do galpão é retangular, tanto as colunas quanto as paredes são de madeira, as primeiras são finas mas firmes, as segundas são feitas de ripas com as irregularidades próprias da madeira e têm algumas ranhuras resultantes do passar do tempo e da umidade do rio. O chão é de cimento queimado. As janelas, por sua vez, são grandes, enquanto ocupam a metade superior de sua respectiva parede e sua forma é a de janelas clássicas dos galpões modernos: basculantes em ferro e vidro.

No galpão ficou a lembrança de um recinto, onde funcionava a oficina de reparação dos barcos. Localizado num canto, este recinto era formado por duas divisórias internas, em um ângulo de 90°, as quais marcavam seus limites e dividiam seu espaço. Vejamos, destas duas paredes divisórias somente restou uma, a outra foi retirada, operação que, porém, não implicou em um grande problema, pois tratava-se de uma divisória não estrutural.

Paralela às janelas, a parede que ficou é, então, uma interferência no espaço: ao faltar a outra parede não pode realizar sua função de isolar a antiga sala, e é por isso que simplesmente está ali, com uma porta que, ainda que possa ser aberta e fechada, já não tem que dar ou impedir passagem.

Uma parte em todo o conjunto de intervenções de Lucia Koch consistiu em retirar os vidros das janelas, para colocar filtros coloridos no lugar. Com tons quentes e frios: vermelhos, laranjas, azuis e verdes, estes filtros deixam passar a luz, colorindo-a e marcado seus limites. Desta forma, a obra é uma janela colorida e sua projeção, a qual, por ser produto do sol, está em constante avanço.

Avanço de retângulos composto por dois vetores: um trajeto horizontal que quer chegar à parede, para, quando encontrá-la, começar sua ascensão: subir na vertical, em um impulso por alcançar o teto. O avanço horizontal e o vertical, sendo da mesma espécie, diferem na forma, pois enquanto o primeiro revela o ângulo do raio, o segundo vai perdendo o ângulo, o que converte esta parte do trajeto em uma nova janela desenhada na parede. Nova mas a mesma, pois ao vê-la na parede bem se sabe que há janela e que o sol está lá fora.

Só de olhar o dentro, a gente está vendo o fora, e por isso esta parede foi deixada no galpão. Obstáculo na sua rota, obriga a luz a modificar sua marcha. Nesta obra, a luz mostra suas duas faces: sua velocidade impossível, mas, ao mesmo tempo, seu caráter sossegado. Sua velocidade está em poder duplicar um objeto sem precisar de dois momentos, sua lentidão aparece no percurso pelo chão, nesse deslocamento que permite, em Gabinete, saber o passar de um dia.

O Gabinete – instalação, II Bienal do Mercosul em Porto Alegre, Lucia Koch, 1999.

Agora, nesta parede – meta e superfície de projeção do evento – está a porta que perdeu sua função, como foi advertido, ao faltar-lhe a outra parede não existe um lugar fechado, e a porta já não pode dar ou impedir a passo. Porém, na sua saudade de porta, essa porta tem espaços que deixam passar a luz; de modo que a “superfície de projeção” não é perfeita, não é regular, pois, no momento do dia em que a janela toda se projeta, acrílicos instalados em tais espaços se encarregam de cortar uma parte da projeção, deixando os raios cairem novamente sobre o chão, o chão que está adiante dela, da porta, isto é, o chão que está depois, porque aqui adiante e depois são uma e a mesma coisa.

No final do dia, quando a projeção dos retângulos está destinada a desaparecer sobre a superfície vertical, quando já todos estão empilhados no extremo superior, e não tem outra opção além de ir embora – a luz do sol não costuma iluminar os tetos –, a obra chega ao seu momento final, tal como se tratasse de uma sinfonia que, em não sabendo de música, decidiu acontecer no espaço. É nesse momento culminante de Gabinete no qual cada um dos retângulos alcança uma intensidade tal que os tons frios se convertem em quentes e os quentes, então, queimam-se sem queimar a superfície que os está suportando. Graves e agudos, os tons brilham mais do que brilharam inclusive ao meio-dia e, é aí, embebido na imagem dessa luz, que o expectador se dá conta de que não é que brilhe mais, é que o resto já não brilha; nesse momento a escuridão tomou tudo, colunas, expectador, paredes, chão e janelas desapareceram, e então fica somente uma luz que emprega sua derradeira força em dar notícia de si própria. Ali é que a obra morre. Para começar amanhã.

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O experimento mais longo da história da física foi proposto pelo professor Thomas Parnell da Universidade de Quensland, Austrália. Iniciado em 1927, a obra continua em processo. O professor Parnell queria demonstrar aos seus alunos que alguns sólidos têm comportamento de líquidos, de modo que pegou um pedaço compacto de breu e colocou num funil. Em 1930, três anos mais tarde, o breu rompeu o lacre do funil, porém, foi somente em 1938 que caiu a primeira gota. A segunda caiu em 1947, as seguintes em 1954, 1962, 1970, 1979, 1988 e, a última em 2000. A diferença de lapsos corresponde às temperaturas da Terra nesses anos: uma temperatura mais baixa faz o processo acontecer mais lentamente. Que o último intervalo seja o maior, se deve à colocação de ar condicionado nas instalações do laboratório.

Uma gota dessa substância se forma durante o intervalo de mais ou menos dez anos. Assim, aplicando seu tempo em transformar-se em esfera, uma esfera alongada, forma que lhe brinda a gravidade, e em afinar o elo com a massa superior, em virtude do funil, até que esse elo termina por não suportar o peso e então se separam para deixar cair a gota. Nesta ordem de ideias, o processo de nosso sólido é longo, mas sua queda rápida, questão de um instante, de um estalar de dedos, porque “nada cai devagar” tal como, a despeito de Aristóteles, soube mostrar Galileu.

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“Precipitação de areias do rio Cauca” – instalação, 41º Salão Nacional de Artistas, Cali, María Elvira Escallón, 2008.

Durante várias semanas, sete toneladas de areia foram caindo devagar até formar uma montanha de dois metros de altura devido a uma acumulação tão livre quanto contínua. A obra, de María Elvira Escallón, entitula-se Precipitação de areias do rio Cauca e aconteceu na sala de espera do Colégio La Sagrada Familia, e foi realizada especificamente para um espaço do colégio em questão, edifício que tinha sido abandonado dois anos antes e que, por conseqüência, tornou-se uma dessas típicas novas-ruínas dos centros das cidades atuais. A escolha do lugar se deu em função da sua participação no 41º Salão Nacional de Artistas, Colômbia, que nesta ocasião mudou de Bogotá para Cali e mudou do espaço do museu para outras e diferentes sedes imersas na trama urbana.

Precipitação de areias é uma instalação proposta da seguinte forma: na sala de espera do colégio foram dispostos quatro móveis, os quais tinham ficado sem destino em outros lugares do edifício: uma escrivaninha e três cadeiras. A escrivaninha no meio da sala e as cadeiras ao seu redor. Agora, justo sobre a escrivaninha, encontrava-se o orifício que deixou fluir de maneira constante e contínua a areia, a qual foi formando um cone regular sobre o tampo da mesa para, com o passar do tempo engoli-la por completo e, em uma extensão pelo chão, alcançar os pés das três cadeiras. Um vidro disposto entre a obra e o visitante se encarregava de isolar o espaço, outorgando-lhe uma sensação de ampulheta, pois não era possível intervir no tempo dessa areia. Não obstante, uma ampulheta tal como indiquei no princípio desse texto, tão gigante quanto inútil: não é possível reiniciar sua marcha.

E não era possível por três razões. Primeiro porque o vidro era vertical, não diagonal, de modo que se tomássemos o prédio e o virássemos de cabeça para baixo, a areia não encontraria o orifício pelo qual saiu, senão que cairia toda sobre o chão que antes fazia o papel de teto. Segundo, porque ao cair destruiria este teto, pois se sete toneladas podem ser suportadas pelo térreo da edificação em questão, não poderia sê-lo pela sua estrutura; assim, não é uma casualidade que a obra esteja neste lugar. E, terceiro, porque a escrivaninha, já engolida pela areia, saltaria de supetão e não somente iria tampar o buraco detendo a passagem, senão que, mais ainda, revelaria que a altura dessa areia não foi única e exclusivamente produto do tempo de sua queda, mas de uma mesa que, apesar de não estar à vista, não desapareceu.

Mas, não somente por falhas de ordem mecânica esta ampulheta é inútil; de fato, o que a faz verdadeiramente inútil é uma espécie de assincronia entre o tempo da queda e o tempo da levada. Os tempos do primeiro e do segundo andar ocupam intervalos distintos, pois tal como se vê no título da obra, a areia vem de um rio, o que implica uma passagem entre a extração e o fio.

Em um relato sobre a obra, María Elvira narra sobre este intervalo, esse antes da cena: o como a areia extraída da beira do rio Cauca estava completamente ensopada, sendo uma espécie de lodo que, a princípio, iria secar ao sol, porém, o Salão coincidiu com dias de uma chuva torrencial, e foi necessário procurar outra saída: esquentar a areia sobre latas em uma estufa de gás improvisada. Já com a areia seca, esta era peneirada e ensacada e transportada até o local para, erguendo-a até o segundo andar, deixá-la cair por um funil. Deste modo, a areia que se secava em dois dias, demorava três horas para cair.

“Precipitação de areias do rio Cauca” – instalação, 41º Salão Nacional de Artistas, Cali, María Elvira Escallón, 2008.

Meu jardim de infância se chamava Fábula e foi a minha época dourada. Depois veio o colégio: onze anos obscuros. Bem, por algumas condições históricas que duraram pouco tempo, eu me converti na latifundiária do setor localizado ao lado dos cilindros de gás, única região da caixa de areia que era resguardada por um teto. Quando chegava o recreio, eu ia direto para meu espaço, enquanto os outros alunos se distribuíam por diferentes setores para fazerem suas respectivas montanhas. Agora, o ponto final dessas montanhas era quando sua superfície fosse coberta por uma camada de areia seca, homogênea, o que lhes dava uma perfeição impossível de alcançar com areia úmida. Desta forma, eu trocava um pouquinho de minha areia por três baldes da outra, e meu poder foi crescendo de um jeito surpreendente. A única coisa que não sabia era que as épocas terminam. Mas, eis o que eu queria dizer: conheço o valor de uma areia seca, o quanto é difícil encontrá-la, ou em sua falta, secá-la.

Na obra de Maria Elvira, a areia é extraída do Cauca para secar, peneirar e levar pouco a pouco até o segundo andar do Colégio La Sagrada Familia, para que aí empreenda uma rota tão constante quanto leve, mas que somente pode ser constante e leve porque leva dentro de si esta outra rota: uma dilatada e sofrida, cheia de embates e pedras que foram peneiradas. Desta forma, Precipitação de areias se encarrega de construir um tempo-caminho constante mas nunca sem passado, pelo contrário, um tempo que por sua vez guarda outros dois tempos dentro de si: o tempo do trabalho humano e o tempo do rio.

Não é casual que a obra tenha no seu título a origem desta areia, vir do rio Cauca não é uma coisa qualquer, o rio, o Cauca, é a história da Colômbia: primeiro, por ter conseguido furar a Cordilheira dos Andes – intacta desde as terras chilenas –, abrir caminho na rocha e derrotar a montanha para formar um grande vale e, depois, já no final de sua rota, encontrar com esse grande rio, o Magdalena para, caindo sobre o Caribe, terminar o começado. Segundo, porque nele têm sido jogados muitos dos mortos de cada Violência na Colômbia, para que suas águas levem qualquer lembrança, mas o rio ao invés de tragar esses mortos termina por devolvê-los, atirando-os à beira para festa dos urubus.

Assim, a areia da Precipitação não é pois qualquer areia, é areia do Cauca e leva tanto em seu nome como em sua cor cinza a história, a história dessa Colômbia perdida entre as montanhas e também entre os mortos.

E junto dessa história, vem outro tempo estendido, que é o tempo do trabalho, as horas empenhadas em preparar e levar as toneladas de areia até o colégio em questão: todo o tempo dessas horas que, convertidas em areia, foram sendo acumuladas. Trata-se de um tempo cujo passar somente é possível perceber dando-se de presente o próprio tempo, detendo-se na visita ao Salão Nacional de Artistas para ficar observando, tal como aquele que olha, através de uma janela, um aguaceiro bem forte.

É então com esse espectador à frente que esta areia, que já tem dentro de si todo o tempo de transporte, todo o tempo de disposição e todo o tempo do rio, termina por roubar também o tempo daquele que a observa e que, vendo-a cair, vê passar seu próprio tempo.

“Precipitação de areias do rio Cauca” – instalação, 41º Salão Nacional de Artistas, Cali, María Elvira Escallón, 2008.

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Numa passagem de O Capital (Livro I, Capítulo I), Marx volta a Aristóteles para analisar a equivalência: aquilo que torna possível a troca de um determinado objeto por dinheiro, o que produz uma equiparação entre este determinado objeto e qualquer outro que também possa ser trocado, ainda que sejam completamente diferentes. Assim, afirma Marx que afirma Aristóteles:

“5 camas = 1 casa” não se distingue de “5 camas = tanto de dinheiro”.

Continua Marx: Aristóteles adverte que para realizar esta troca tem que existir alguma igualdade substancial entre os objetos trocados, ou não poderiam relacionar-se entre eles como magnitudes comensuráveis. Ao chegar aqui Aristóteles se detém perplexo, pois afirma que é, porém, verdadeiramente impossível que coisas tão diversas sejam comensuráveis, isto é, qualitativamente iguais. Esta equiparação tem de ser algo estranho à verdadeira natureza das coisas, portanto, um simples expediente para atender às necessidades práticas.

Aristóteles, então, renuncia continuar uma análise sobre a forma valor, sobre aquilo que faz igual à casa e uma determinada quantidade de camas. E se nega a continuar por esse caminho pois não vê possibilidade de relação entre suas naturezas, dado que não percebe que aquilo compartilhado entre umas e outras é o trabalho humano. Um trabalho humano homogêneo, e, portanto, mensurável em hora-valor, que Aristóteles não tem a possibilidade de conceber porque, em palavras de Marx, se encontra numa sociedade que “repousava sobre a escravatura, tendo por fundamento a desigualdade dos homens e de suas forças de trabalho”.

Assim, explica Marx, Aristóteles não pode chegar a esse tipo de abstração segundo a qual o que compartilham dois objetos diversos para poder ser trocados por dinheiro é justamente o trabalho humano: um tempo de trabalho que vira abstrato, pois pode ser mensurado como generalidade, sem depender do trabalhador que o realize, não obstante, também existe outra causa para que Aristóteles detenha sua argumentação neste ponto e julgue o valor como “algo estranho à verdadeira natureza das coisas”. Isto porque para Aristóteles, o tempo não estava separado das coisas, não há um divórcio entre tempo e espaço, divórcio que foi obra de Galileu, e da revelação de que um corpo leve e um pesado demoram o mesmo tempo em cair.

A revelação de Galileu e com ela todo o sistema de Newton, trouxe uma nova maneira de compreender o mundo, uma forma abstrata de se relacionar com os fenômenos, pois tal regularidade no tempo da queda ia representar uma ruptura na antiga unidade de tempo e espaço, levando a consegui-las como entidades independentes e, mais ainda, como se o tempo fosse inclusive alheio aos fenômenos mesmos, isto é, tal como se os fenômenos acontecessem num tempo homogêneo e vazio que simplesmente se encarregam de estabelecer sua duração sem se contaminar deles.

Este tempo, ou esta concepção do tempo, passou a ser o mesmo tempo do trabalho humano, na forma de um tempo substância que, injetado nas coisas, as equipara, as faz equivalentes. Um tipo de tempo abstrato, pois não tem relação específica nem com o produto nem com quem o gera, um tempo que vai direto da física moderna às suas fábricas e daí à concepção do capital. O tempo real é pouco frente ao tempo que pode ser acumulado em capital ou nas mercadorias cuja natureza já não consiste em objetos, mas na possibilidade de serem convertidas em valor.

Assim, o que temos é uma ficção do tempo, uma constante representação do tempo que tem se transformado em algo mais real que o próprio tempo. O tempo que rege nossos dias é um alheio e distante, um que somente serve para medir o tempo, mas que não acontece nele próprio.

Desta forma, ver um tempo real é um acontecimento extraordinário e este é o tipo de acontecimento que faz possível as duas obras em questão; Gabinete de Koch e Precipitação de Escallón, propõem um tempo real, não abstrato, não inventado pelos homens. São, pois, momentos tangíveis e tangíveis porque existem em virtude de seus espaços, um tempo feito de espaço e do movimento mesmo, um tempo que se nega a ser uma substância abstrata, para virar luz, para virar areia. Em suma, são obras que se apresentam como possibilidade de parar a marcha, para deter a ficção de um tempo que vai passando independente de tudo e entrar num tempo real, num tempo que está acontecendo e que não pode acontecer sem o espaço.

O assombro de acessar Gabinete e Precipitação é, então, o revés da estupefação de Aristóteles quando chegou à conclusão de que uma casa e uma cama tinham que ser feitas do mesmo para serem trocadas, e que o lhe fez deter sua análise julgando que esse algo só poderia ser obra do artifício. Agora, num mundo onde tudo é artifício, ver algo que acontece de verdade, ver um tempo que não pode ser guardado, nem tampouco trocado, pois não é alheio ao espaço, é a única possibilidade de assombramento. E isto é justamente a possibilidade que tais obras trazem, as quais, ao modo dos experimentos, se encarregam de demonstrar uma tese bem simples: o tempo não é, sob circunstância alguma, independente do mundo.

 

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Julia Buenaventura (Bogotá, 1977 / reside em São Paulo) crítica e historiadora da arte. Correspondente da revista ArtNexus e integrante do Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake. Cursa doutorado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. http://juliabuenaventura.blogspot.com.br/

Lucia Koch é artista, nascida em Porto Alegre. http://www.luciakoch.com/

Maria Elvira Escallón é artista, nascida na Colômbia. http://mariaelviraescallon.org/

 

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