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Fundos Reais, Fundo Falso e Canais

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Fundos Reais – Matheus Rocha Pitta. 7 monitores de segurança, 7 dvd players, 7 ntsc videos, (6 minutos cada), mesa de madeira. 380 x 80 x 70 cm / 2008-2009.

Fundos Reais, Fundo Falso e Canais

Matheus Rocha Pitta

 

A exposição Galeria de Valores foi pensada como uma versão à exposição permanente no quarto andar do CCBB do Rio de Janeiro, onde existe um “museu” do dinheiro. Quis fazer uma galeria de valores homônima onde essa relação imagem / valor fosse suspensa, como se fosse um espelho onde a imagem oficial aparece invertida.  A maioria dos objetos/imagens da minha  exposição foi retirada de circulação por obsolescência ( latas de filmes, televisão estragada) ou por serem ilegais (os canais, o dinheiro apreendido nos recortes de jornal). A circulação de valor hoje em dia está completamente atrelada à imagem, podendo coincidir perfeitamente com ela.  Quis criar um intervalo entre essas imagens e os possíveis valores que elas carregam, abrir mesmo um espaço crítico entre imagem e valor. É claro que isso inclui o mercado de arte que, por exemplo, atribui valor a uma exposição numa instituição como o Banco do Brasil, ou até cujo critério de valoração é cada vez mais o preço e não a obra. Minha intenção é criar um ruído, até mesmo uma ironia, nesse sistema de valoração e tentar abrir um espaço crítico. Esse espaço é materializado no fundo falso, o valor encarnado na moeda atirada pelo visitante é desmaterializado num desejo.

Minhas exposições são pensadas como filmes: um conjunto de imagens ordenadas em uma determinada sequência, onde o sentido nasce das possíveis articulações entre essas imagens. No entanto, quando se vai ao cinema o corpo é esquecido.  Meu método é “espacializar” um “filme” e tomar o espectador como o centro da montagem, invertendo o movimento: em vez de imagens em movimento e um corpo parado, um corpo circulante e imagens retiradas de circulação, apreendidas, suspensas. Meu interesse maior está nos intervalos, pausas: são nesses momentos que o espectador participa ativamente ao tentar dar sentido ao que vê e viu, uma vez que sua memória também é ativada nesses “circuitos”. Em Galeria de Valores existia uma ordem bem definida de montagem: três núcleos de trabalhos que de diferentes modos discutiam a relação entre imagem e valor. Ao fim da exposição, uma quarta sala escondida (na verdade um corredor, Fundo Falso # 1 [fonte], onde uma escada de dinheiro dava acesso a um poço dos desejos) abria um espaço para o espectador “avaliar” ou dar sentido ao dinheiro: jogar uma moeda em um poço em troca de um desejo, por mais simples que seja esse gesto, ele é mediado pelo dinheiro.

A série de trabalhos Fundo Falso tenta evidenciar essa divisão do sensível, que é uma divisão política, aquilo que pode ser visto e aquilo que deve permanecer escondido, mas não percebido, dado, natural. Meu interesse nos circuitos ilegais é justamente esse: procedimentos que põe algo em circulação longe da atenção pública.  Topologicamente a obra Fundo Falso está fora da galeria, no sentido que está escondida e principalmente  pelo fato de que o ato o qual o espectador é convidado a realizar (lançar uma moeda no poço) não é visto por ninguém, portanto está longe da visibilidade pública. É uma condição participativa paradoxal, mas que não instrumentaliza o espectador.

Em Canais, os objetos foram “esvaziados” para que outros objetos caibam ali dentro e circulem escondidos.  Quando crio esses vazios ou fundos falsos no próprio espaço quero dizer que aquela galeria é um espaço de circulação também, ela não está fora desse espaço de circulação a que chamamos mercado.  O corpo do espectador se torna o objeto que circula nesses vazios, há uma relação de correspondência entre o sujeito circulante com o objeto que circula ilegalmente, tanto entre arte e mercadoria quanto arte e clandestinidade. Os objetos que escolho são em sua maioria produzidos para proporcionar conforto.  O carro, a televisão, a geladeira, o próprio dinheiro, estão todos associados à uma ideia de conforto, que, se levada ao extremo, é uma ideia de anestesia, onde o corpo seria inseparável desses aparelhos.  São objetos correlatos de nosso corpo, quase extensões ou próteses. É como se ficássemos mancos ou aleijados desse “fantasma” do conforto, que é o horizonte comum a toda ideia de consumo.

 

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Em período curto de tempo e por meio de projetos diversos, MATHEUS ROCHA PITTA (Tiradentes –MG, 1980) sedimentou interesses e estratégias que permitem identificar, em uma obra que se adensa a cada novo trabalho, enunciado crítico sobre os mecanismos de troca que regem a vida comum. Move o artista, em particular, a vontade de explorar e expor a mercadoria – coisa qualquer que o trabalho humano produz e pela qual existe inequívoco desejo de posse – como índice de paradoxos que tais intercâmbios encerram ou engendram. Participou da 29ª Bienal de São Paulo, 2010. Foi recipiente do 1º lugar do I Premio Itamaraty de Art e Contemporânea. Em 2012 realizou “Dois Reais no Paço Imperial, Rio de Janeiro  e em 2013 L’Accordo na Fondazione Morra Greco , Napoli. Vive e trabalha no Rio de Janeiro.

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