06 | Dossiê

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Guerra & Ciência: duelo no reino dos Titãs

GUERRA & CIÊNCIA: DUELO NO REINO DOS TITÃS

– EM GRANDES PROPORÇÕES[i]

Clóvis Brigagão

 

A Máquina da Guerra

Sob a forma de ensaio aberto, começo a tocar neste assunto e a falar de um de seus mais destacados aspectos: a grande e custosa máquina à serviço da Produção da Guerra. Grande e desproporcional quanto às somas financeiras dedicadas, praticamente exclusivas, ao desenvolvimento das de forças militares (terra, ar e mar) dos mais de 190 Estados, e seus armamentos. O conjunto dessa maquina de Guerra espelha-se pelos seus sistemas de logística e inteligência, das redes eletrônicas com base no anagrama CCI3:  Comando, Controle, Comunicação e Inteligência (se não bastasse, ao cubo). A contribuição da Ciência não só é destacada, mas serve como base (científica) para todos os instrumentos mortíferos da Guerra.

Sem nos referirmos à máquina de espionagem – mesmo em tempos de paz –, aqui viria uma lista dos aspectos do lado sombrio – além das mortes – que a Guerra proporciona. Claro, há os nacionalistas e patriotas embevecidos na crença dos fundamentos dos Estados nacionais no seu velho ditado: o monopólio da violência na esfera global da nossa Terra.

 

A Paz Armada

Nascido do Tratado de Paz de Westphalia (1648), após a Guerra dos 30 Anos na Europa, os Estados só cresceram em números e em condições de manter o monopólio da violência e de ter o resguardo armado do território. Hoje o território é uma cortina digital e a guerra entrou na rede virtual, como a Guerra da Imagética.[ii]

E aí a humanidade veio cambaleando entre centenas de conflitos regionais, além do aparato supermega da Guerra Fria, que se impôs pelo poderio militar-nuclear, o Equilíbrio do Terror, ao mundo entre 1946-7 até a queda da ex-URSS, no final da década de 80 do séc. XX. Os EUA passaram a reinar como poder hegemônico, pairando sobre todos os outros Estados, militar e economicamente (sem falar no domínio cultural via Hollywood e de seus canais e programas da TV, internet, etc.) – uma verdadeira teia que engole recursos de todos os tipos. E não seria essa a lógica perversa dos meios militares (anunciado anos atrás pelo economista brasileiro, Celso Furtado) em que a Ciência é a espinha dorsal?

Passado os rescaldos da Guerra Fria (que só por sua montagem, sustentação e uso intensivo de vários ramos da Ciência, assim como de matérias primas para a corrida da morte, já deveria ser denominada Guerra), depois de certo período de incertezas e tratativas de estabelecer mecanismos multilaterais sob a batuta da ONU, o surgimento do Terrorismo (a partir do 11/setembro 2001) leva o presidente americano G. W Bush, filho, a inventar duas guerras de intervenção “contra o Terrorismo”. É uma história ainda a ser contada e avaliada. Uma invasão ilegítima, fora do direito internacional e das regras estabelecidas pelo Conselho de Segurança da ONU, a guerra do Iraque, e a segunda, sob o comando americano e em coligação com as forças europeias da OTAN/NATO, no Afeganistão. Dominação como espectro nos assuntos internacionais fundamentais, da guerra e da paz.

Não seria como o velho e bíblico ensinamento da luta entre Golias e David, na simbólica batalha com seus apetrechos desiguais, diante de um estilingue, para a resolução do conflito? A história está prenhe de histórias ( a guerra do Vietnam como símbolo de um povo que vence um Império com seus bombardeios e napalms, depois a I Guerra do Golfo – que muda a logística da guerra, a Guerra de Bush contra o terrorismo e a invasão do Iraque, etc. ).

São fatos e dados sobre a longa duração dos conflitos, de todas as ordens e naturezas. São empreendimentos humanos que levam à exacerbação dos ânimos, ao beco sem saída, ao impositivo da força militar de segurança para garantir intervenções extraterritoriais – seja na defesa da preservação da liberdade, dos negócios ou dos interesses estratégicos.

A Guerra cria rupturas entre os Estados, e a partir do fim do século XX e início do XXI as rupturas estão cada vez mais dentro dos próprios Estados. Conflitos e guerras são gerados intra-estatais, entre o poder central – quando existe – e uma miríade de grupos, guerrilhas e bandos, exércitos paralelos, com grande afluência de crianças e jovens. Rompem-se acordos, estanca-se a cooperação. Renasce a velha ruptura, seguidamente, entre os princípios da Soberania e da Independência, que todos almejam, e o Equilíbrio do Poder, em que as alianças mais longas e duradouras e outras em situações de crise conjunturais mantém um equilíbrio, catastrófico, quase chegando a uma situação em que não se ganha e não se perde, um jogo de soma zero. Na verdade, nos fatos históricos a situação de soma zero é um parâmetro que, praticamente, não existe, é um tipo ideal.

Criada a guerra, ou se matam todos ou tenta-se mitigar o sacrifício de soldados, da população civil, principalmente de mulheres e crianças (as maiores vítimas), pois os soldados se protegem – agora com armas e roupagens do mundo ficcional – além de serem criados exércitos e forças militares privadas para ocupação, como “empresas da Guerra”, em que soldados-milicianos atuam pelo que ganham para matar coletivamente. Neste caso, nem mais o simbolismo da bandeira de um Estado em guerra existe. E a Ciência também não desfralda bandeira de conciliação, mas de exacerbação dos meios para matar.

O fato é que hoje a Guerra já não está mais no campo de batalha entre soldados armados de fuzis e baionetas, tradicionalmente usadas. Ela é ganha com os instrumentos da Inteligência & Marketing da Guerra – os últimos episódios da rede de espionagem norte-americana (como de, praticamente, todos os grandes, médios e pequenos Estados). Trata-se de fato da guerra eletrônica, travada nos screens da inteligência da Cibernética[iii]. Atualmente, essa parafernália da Guerra move-se sob o terrível signo de CCI3, que nos é traduzido pelo nosso mestre em Assuntos Estratégicos, o professor Domício Proença Jr., clauzewitiano (de Carl von Clauzewitz, o autor clássico do livro A Guerra, que diz que o melhor ataque é a defesa). Com a Ciência presente.

Assim foram as guerras travadas desde o Vietnam, passando pelas I e II Guerras contra o Iraque e no Afeganistão, guerras eletrônicas, em que o velho soldado já não decide as batalhas, mas se dão entre armas digitais, inteligentes, veloz e amplamente mortíferas. E a empresa científica está presente nesse esforço bélico.

 

O Corolário da Guerra, da Paz e da Segurança

Deixe-me expor o seguinte Corolário (“decorrência, dedução, resultado de uma proposição que quer ser provada” – Dicionário Aurélio, Nova Fronteira, p. 559)

GUERRA ……………………………………………………….PAZ

<………………….SEGURANÇA …………………>

 

Podemos afirmar que a terceira perna – a da Segurança, direta ou indiretamente, é essencial em termos dos avanços da Ciência, que tem fornecido os instrumentos para as bilionárias transações de um dos maiores mercados globais que é a indústria, o comércio e os serviços tecnológicos militares.

Para a Segurança que se coloca à serviço da Guerra (como força de defesa dos Estados), as Forças Armadas reservam para si instrumentos da economia da Guerra: um dos itens  com que o mundo mais gasta é a defesa militar de cada Estado (cerca de 198), além dos gastos de manutenção dos dispositivos para o enfrentamento da Guerra. Além dos Estados temos as máquinas de guerra disponíveis pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN), com gastos de manutenção do dispositivo para a realização da Guerra do ponto de vista da União Européia, sob o comando dos EUA. Há outros arranjos da segurança bélica voltados para a continuidade das guerras instaladas por todo o nosso Globo.

Apenas de passagem, só temos um Globo e não há chances de sair e entrar novamente na nave Terra, Gaya. O “Estado de Guerra” é permanente nos Grandes Estados, contratando companhias privadas para se alistarem em tropas como as que os EUA têm no Iraque e no Afganistão com outros aliados da NATO.

Ao mesmo tempo é um assunto que parece indicar sempre o crescimento a crescer, crescer, em que o estoque do capital natural tem grande relação com os custos dos gastos militares mundiais. Os conflitos bélicos e as guerras tomam – numa grande proporção – os recursos que deveriam ser alocados para a instrução, a educação em todos níveis, para a cooperação entre povos, estados e nações.

Sempre houve, nos meios acadêmicos, literários, saberes doutras linguagens, contribuições como a da Psicanalise, cujo texto mais completo e exato foi escrito por S. Freud sobre as razões da Guerra. Freud escreveu o excelente artigo em resposta a um desafio feito pelo físico A. Einstein, e a questão da Ciência está ali presente.

Embora tardiamente criada no Brasil, no âmbito de criar espaços, mecanismos e treinamentos de recursos humanos pela paz, a economia da guerra é muito pouco pesquisada, estudada e publicada – não só no Brasil, mas em grande parte do mundo. Ela é crucial no balanço geral dos custos/benefícios de como os Estados, os governos e a comunidade internacional têm o objetivo de banir as armas nucleares – a chamada Opção Zero – que os verdes alemães já adotaram como política, o que paralisou a construção de usinas nucleares. E o papel da Ciência é muito importante, como no caso das Mudanças Climáticas, sobre a qual ela tem dado uma enorme colaboração.

De outro ângulo, estamos preparando pessoas para tratar dos conflitos. Há sete anos criamos o Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos (GAPCon –  uma brincadeira literária de gap= intervalo, pode ser ganhos e perdas e con. ponto com). O GAPCon é uma experiência prática, iniciada no Brasil com atividades e programas de formação de  agentes de negociações, criação de mecanismos de confiança mútua e arranjos de paz. Já temos na ONU a Comissão de Construção da Paz (Peace Bulding Commission) com practical expertises em prevenção, negociações, metas a cumprir com acordos, documentos de tentativa de reconciliação – primeiros passos.

Aí então, caros leitores possíveis, essa é uma pequena história sobre a enormidade de recursos que são colocados à disposição das guerras em detrimento de políticas públicas voltadas para o incremento da democracia, da justiça e da paz.

Em resumo: o que seria a logística da guerra (os meios para que se alcance o sucesso de vencer, e Machiavel já dizia: “um príncipe (governo) assume como sua profissão nada mais além da guerra”)? A logística da guerra que depende da política de Estado, que depende, por sua vez, fundamentalmente do progresso da Ciência. E como se diz por aí, “e nada mais tendo a declarar, dou por encerrada a sessão” (escrita).


[i] Ver os relatórios do Departamento de Desarmamento da ONU; o trabalho importantíssimo de Ruth Leger Sivard, em seu World Military and Social Expensidutres, que publica por mais de 30 anos. Ver www.ruthsivard.com

[iii] O grande físico Norbert Wienner nos fez conhecer os meandros da Cibernética (küber=auto governo e kinectics – a cinética do movimento, o cinema e o audiovisual que segue a mesma trajetória de estarmos na época da Imagética, que ilustra o tão rico livro de Melinda Davis, A Nova Cultura do Desejo, (Rio de Janeiro, Record, 2003)  com sua nova maneira de desvendar alguns mistérios e enigmas do destino humano com suas guerra e seus períodos de paz

 

 

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CLÓVIS BRIGAGÃO é cientista político e trabalhador das áreas da Paz e Segurança Internacional. Além de estar, cada vez mais, voltado para os Estudos e Pesquisa da Paz (EPPAZ), é Coordenador Geral do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos (GAPCon), IUPERJ/UCAM e coordenador do projeto da Escola Sérgio Vieira de Mello – EPAZ. Professor do IUPERJ/UCAM e professor visitante do PPGRI/Departamento de Relações Internacionais/UERJ.

 

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